Seu prefeito, se rua não é lar, queremos moradia já!
Seu prefeito, se rua não é lar, queremos moradia já!

Carta assinada por vinte entidades em defesa da moradia digna foi lida pelo deputado Eduardo Suplicy (PT), na tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo, nesta quinta-feira, 11/5.

“São Paulo, a cidade mais rica do país, vive hoje a maior crise humanitária de sua história – vemos nossa população sendo submetida à miséria, à fome e à falta de moradia. Hoje, temos mais de 50 mil pessoas vivendo nas ruas. Esse problema, que deveria ser enfrentado com um esforço inédito de cuidado pelo poder público em promover políticas integradas, é tratado pelas gestões de Ricardo Nunes e Tarcísio de Freitas com práticas violentas já conhecidas, de higienismo e exclusão social.

A prefeitura de São Paulo tem tentado esconder a situação de vulnerabilidade social que milhares de pessoas vivem em nossa cidade, utilizando ações de zeladoria urbana[1] como forma de expulsar a população em situação de rua das áreas centrais de nossa cidade. São práticas racistas e fascistas que utilizam a estratégia de “revitalizar” praças públicas para retirar as pessoas em situação de rua que ali ocupam. O prefeito começa a colocar grades em praças e viadutos para retirar dessas pessoas a única coisa que lhes resta: a possibilidade de existir na rua. Carroças, carrinhos e até os materiais recicláveis coletados por catadoras e catadores têm sido apreendidos, danificados e roubados, enquanto empresas privadas vêm retirando os pontos de coleta da categoria e sua fonte de renda.

Faz-se necessário pontuar que a rede socioassistencial não possui vagas suficientes para abrigar as 50 mil pessoas em situação de rua, tampouco existem políticas habitacionais que abarcam modalidades de inclusão para essa população. Desta forma, para as pessoas que dormem nas ruas, calçadas e baixos de viadutos, estes são os únicos locais onde podem pernoitar.

É importante destacar também que todos nós queremos uma cidade limpa, inclusive, a própria população em situação de rua, visto que muitas vezes as ruas são seu local de moradia. Porém, enquanto houver a falta de políticas habitacionais e socioassistenciais para esta população, é preciso entender que pessoas pernoitarão nas ruas. Enquanto não houver banheiros públicos, as pessoas em situação de rua farão suas necessidades nas ruas, e enquanto não houver bagageiros públicos, as pessoas em situação de rua deixarão seus pertences nas ruas. Por isso, uma política ostensiva de zeladoria urbana não só não resolverá a questão da limpeza das ruas, como violará os direitos dessa população.

Mostrando que o objetivo dessa gestão é esconder a população mais vulnerável, a prefeitura e o governo do Estado gradearam a Praça da Sé, impedindo o atendimento na região, e fecham o Bom Prato com o maior número de refeições servidas às pessoas em situação de rua. Ao mesmo tempo, eles dizem ter como objetivo “zerar” o número de pessoas nas ruas – e para isso já chegaram a declarar que se necessário, utilizariam armas químicas. Assim, enquanto o objetivo dos nossos governantes for o de acabar com as pessoas e não com a necessidade de utilizar as ruas como forma de moradia, estaremos combatendo os seres humanos que ali estão, e não a situação de miséria à qual estão submetidos.

Precisamos de políticas eficientes que tenham como objetivo possibilitar a saída das ruas. No entanto, enquanto políticas são construídas, precisamos também proteger direitos mínimos das pessoas que já estão tendo seus direitos violados. O poder público não pode aumentar ainda mais o nível de violações de direitos aos quais a população mais vulnerável já está submetida.

E as soluções? Para Nunes e Tarcísio o marketing é a aposta, importa mais a vitrine e o palanque político do que a efetividade das medidas e o respeito aos direitos humanos. Ao passo que a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social anuncia as 22 mil vagas, dentre estas constam também vagas em Núcleos de Convivência e equipamentos que não abarcam pernoite. É preciso que a Secretaria passe a anunciar os dados reais de acolhimento da cidade: existem cerca de 14 mil leitos em nossa cidade, logo, apenas 14 mil pessoas em situação de rua podem conseguir um local para passar a noite.

Moradia e trabalho digno parecem não fazer parte da gestão de Tarcísio, que destina a essa população projetos como o “Saindo das Ruas” em que vislumbra, em uma ação higienista, enviar milhares de pessoas em situação de rua ao interior para trabalhar em propriedades agrícolas, sem nenhuma capacidade de fiscalizar em que condições esse trabalho se dará. É importante ressaltar que 918 pessoas foram resgatadas de trabalhos análogos à escravidão somente nesse ano[2], em 2022 foram 2,2 mil pessoas resgatadas no campo[3]: essa proposta é de grande risco e escravocrata. Chama isso de “saída das ruas”, mas poderia ser chamado de “passagem para o inferno”.

Exigimos tratamento digno para a população em situação de rua e o fim da repressão, violação de direitos humanos e expulsão da população pobre do centro da cidade. Realmente, como diz o Prefeito Ricardo Nunes, barraca não é local de moradia. Por isso, a população em situação de rua quer moradia primeiro. É necessário investir em políticas efetivas que atendam as demandas da população em situação de vulnerabilidade que vive nas ruas.”

Assinam a carta:
1. Movimento Nacional da População em Situação de Rua
2. Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua
3. Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)
4. Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo (Facesp)
5. Movimento Nacional dos Catadores/as de Materiais Recicláveis (MNCR)
6. Fórum da Cidade
7. Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama
8. Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
9. Centro de Promoção e Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua
10. Serviço Franciscano de Apoio a Reciclagem (Recifran)
11. Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania da Defensoria Pública de São Paulo
12. Movimento Estadual da População de Rua de São Paulo
13. Instituto Um Momento de Amor;
14. Pimp My Carroça
15. Cataki
16. Ação Social Franciscana (Sefras)
17. Associação Rede Rua
18. Fórum de Assistência Social (FAS)
19. Minha Sampa
20. Instituo Pólis

[1] Cidade para quem? Disponível em: https://trecheiro.rederua.org.br/cidade-para-quem/?utm_medium=instagram&utm_source=instagram&utm_campaign=trecheiro_279_m1_cidadepraquem&utm_content=blog&utm_term=url-builder

[2] Cf. https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2023/03/21/brasil-resgatou-918-vitimas-de-trabalho-escravo-em-2023-recorde-para-um-1o-trimestre-em-15-anos.ghtml

[3] Cf. https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2023/04/18/trabalho-analogo-a-escravidao-22-mil-pessoas-foram-resgatadas-no-campo-em-2022.ghtml

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