Audiência pública realizada nesta terça-feira, 19/10, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, cumpriu seu objetivo e abriu perspectiva de parceria entre o Poder Público e a sociedade civil na construção de soluções para complexos problemas sociais, econômicos, de saúde e segurança pública, presentes na região do bairro da Luz, na capital paulista, denominada Cracolândia.
A sessão foi convocada, conjuntamente, pela Comissão de Direitos da Pessoa Humana da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado Emidio de Souza (PT), e pela Comissão Extraordinária de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo, que tem como presidenta Erika Hilton (PSOL), numa iniciativa que também teve como solicitante o vereador Eduardo Suplicy (PT).
A região da Cracolândia tem longo histórico de repressão, desassistência e violações de direitos, com programas municipais se sucedendo – Nova Luz, Braços Abertos, Redenção, Redenção fase 2, Redenção fase 3 – com pouquíssimos resultados. A maioria dos participantes reafirmou que a solução para o complexo problema não é simples, nem única, e para construir um projeto para a região é imprescindível o diálogo que envolva o Poder Público e sociedade civil.
“A certeza que temos é que do jeito que está não pode continuar”, considerou o deputado Emidio de Souza, ao propor a criação de um grupo de trabalho para aprofundar o tema e buscar soluções Na proposta do deputado, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia e da Câmara dará início às conversas necessárias para a constituição do grupo de trabalho que deverá ir além do aprofundamento do debate, mas também atuar no sentido de exigir medidas das autoridades, no nível municipal, estadual e até federal, e de acompanhar a execução de projetos.
Afirmando que não há uma solução mágica nem simples para a questão, Erika Hilton avaliou que com “as propostas trazidas pela sociedade civil e os interesses demonstrado pelos agentes públicos de atuar em conjunto na resolução desse problema, teremos condições reais de caminhar, coletivamente, buscando saídas e respostas”. A vereadora ainda destacou a necessidade ações conjuntas, com coragem e força de vontade. “Ações isolados não trarão respostas para um problema tão grave e tão estrutural como os que foram relatados”.
Presença marcante junto à população em situação de rua em São Paulo, padre Júlio Lancelotti participou da audiência, defendendo que, além de um olhar para as questões sociais, econômicas e de saúde, são necessárias medidas de segurança pública para enfrentamento da problemática.
“Não há uma só cracolândia em São Paulo, a prefeitura chegou a levantar 30 grupos núcleos de cena de uso como o da Luz”, lembrou padre Júlio. De acordo com o religioso, para se dar alguma resposta às cenas de uso, como ele denomina as várias cracolândias, é preciso enxergar a dimensão da corrupção que está presente nesses locais e a dimensão do crime organizado caracterizado pela participação de agentes do Estado. “A droga não chega nessas cenas de uso pelos usuários. O que existe é um interesse econômico muito grande.”
Segundo o religioso, são várias as denominações religiosas que atuam na Cracolândia. Além da igreja católica, há o trabalho da Igreja Bola de Neve, Igreja Quadrangular, Igreja Batista e Cristolândia, entre outras. E refutou: “Ninguém propõe para a Cracolândia a impunidade. Quem comete um crime tem de responder por ele na forma da lei, sem tortura, sem violência. Mas não é nossa função, das igrejas, combater o crime. Nossa missão está em acolher as pessoas”.
Poder Público e sociedade civil
A realização da audiência pública para construir soluções para a Cracolândia também foi motivada pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem da OAB-SP, que foi representada no encontro pelo seu vice-presidente, Arnóbio Rocha, que conclamou vereadores e deputados a não permitir que uma cidade rica como São Paulo continue a “jogar fora ou para debaixo do tapete seus cidadãos”.
Trouxeram à audiência seus depoimentos e experiências pessoas que trabalham e moram na região da Luz, como o médico psiquiatra e palhaço, Flavio Falcone; Roberta Marcondes Costa, antropóloga e membro do coletivo Craco Resiste; José Carlos Matos, conhecido como Pastor do Pão, que distribui doações na região; Giulia Grilo, ciclista e ativista; João Carlos Andrade Cardoso Júnior, morador e subsíndico do complexo Júlio Prestes; Maria Angélica, Centro de Convivência É de Lei; Laura Cruz, do Coletivo Tem sentimentos; Alderon Costa, da Associação Rede Rua; Nathália Oliveira, co-fundadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, ex-presidente do Conselho Municipal de Política de Álcool e Drogas de São Paulo; e Paulo de Farias, Companhia de Teatro Faroeste.
Ainda estiveram presentes o promotor de Justiça Arthur Pinto Filho, da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, na área de Saúde Pública, do Ministério Público de São Paulo; Fernanda Penteado Balera, da Defensoria Pública de São Paulo; Elizeu Soares Lopes, ouvidor das Polícias de São Paulo; Maria das Dores de Oliveira, chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Segurança Urbana da capital; Carlos Alberto Ricardo Júnior, coordenador-geral de Direitos da População em Situação de Rua; além dos representantes da PM, major Celso Rocha e capitão Becker, e do Ministério Público, Ana Letícia e Yuri Correa.
