Resgate da história de Virgílio Gomes e de mulheres torturadas durante ditadura

22/03/2013

Comissão da Verdade

Na quinta-feira (21/3), a Comissão Estadual da Verdade, presidida pelo deputado Adriano Diogo, ouviu depoimentos que recontaram a história de luta e combate vivida por Virgílio Gomes da Silva, preso, torturado e morto em 29/9/1969.

Na parte da tarde, a Comissão coletou depoimentos de duas de duas sobreviventes da repressão militar: Tania Rodrigues Mendes e Crimeia de Almeida.

Virgílio Gomes da Silva, integrante da ALN

Militante comandou o sequestro e troca de embaixador por 15 presos políticos

A história de luta e combate à ditadura militar no Brasil (1964-1985) vivida por Virgílio Gomes da Silva, preso, torturado e morto em 29/9/1969, foi recontada por companheiros sobreviventes na audiência pública da Comissão da Verdade, nesta quinta-feira, 21/3. Integrante da Ação Libertadora Nacional (ALN), Virgílio comandou, em setembro daquele ano, a ação do sequestro do embaixador americano, Charles Elbrick.

Presidida por Adriano Diogo (PT), a audiência contou com a presença da viúva de Gomes e dos filhos Virgílio Filho e Isabel, que se emocionaram com os relatos de pessoas que participaram da resistência ao regime ditatorial ao lado de Virgílio.

Testemunhos

Antônio Carlos Fon, Celso Antunes Horta e Manoel Cyrillo lembraram a personalidade combativa e o espírito de liderança de Virgílio, chamados por eles à época, por questão de segurança, de Jonas. Eles também foram presos na mesma data e presenciaram, na sede da chamada Operação Bandeirantes, o sofrimento de Virgílio.

Assim como eles, Virgílio adentrou o prédio passando por corredor polonês (fileira dupla formada por agentes policiais que agrediam o prisioneiro que por ali passava) e submetido ao pau de arara e à cadeira do dragão, torturas comuns à época.

Fon e Horta relataram que, mesmo sob tortura, Virgílio se rebelava e gritava aos agentes policiais que eles estavam matando um patriota. Fon disse que posteriormente os torturadores ironizaram este fato. Apontando para manchas de sangue na parede, diziam se tratar de “sangue de um patriota”.

Adriano Diogo, após lembrar a origem nordestina e humilde de Virgílio, sua luta sindical e filiação partidária ao PCB, seu treinamento de guerrilha em Cuba, buscou extrair dos relatos aspectos que revelavam o caráter de Virgílio. “Muito íntegro, determinado, consciente dos objetivos da luta e da bandeira que defendia, além ser um grande estrategista”, acrescentou Horta.

Pelo fim da impunidade

Já Manoel Cyrillo, preso um dia após Virgílio, Fon e Horta, também foi levado à sede da Operação Bandeirantes. Relatou que sua prisão se deu em conjunto com a viúva de Virgílio, Ilda Martins da Silva, na presença dos filhos, e que o espancamento a que foi submetido se deu na presença das crianças. Os filhos foram encaminhados ao então Juizado de Menores.

Cyrillo confirmou que na sede da Oban os agentes policiais brincavam com a morte de “um brasileiro” ocorrida no dia anterior. Cyrillo, que foi preso político por dez anos (1969-1979), pediu a responsabilização dos envolvidos nesses acontecimentos. Juízes e promotores, membros das Forças Armadas e agentes das polícias Militar e Civil têm registros na administração que possibilitam a individualização das ações, alertou.

Ao final, bastante emocionado, Virgílio Filho, que ficou órfão do pai aos seis anos de idade e foi obrigado a mudar para Cuba, onde viveu até os 32 anos, classificou a reunião como “histórica”. Disse que lembrava muito pouco do pai, mas que se sente orgulhoso de sua vida e idealismo. Filho agradeceu os testemunhos e enalteceu a postura dos companheiros de luta que se irmanaram ao seu pai naquela época.

Comissão da Verdade ouve depoimento de mulheres torturadas durante ditadura

Ambas seguiram na luta por uma sociedade mais justa

A Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva ouviu nesta quinta-feira, 21/3, depoimentos de duas sobreviventes da repressão militar. A mesa foi composta pelo presidente da Comissão Estadual da Verdade, deputado Adriano Diogo (PT), e as sobreviventes Tania Rodrigues Mendes e Crimeia de Almeida, irmã de Amélia de Almeida Teles, membro da comissão.

Tania Mendes informou que sua participação na militância teve influência familiar. Ela morava em Santo André e acompanhava os pais em encontros sindicais. Ingressou na faculdade e entrou para os movimentos estudantis, quando teve o primeiro contato com a Aliança Libertadora Nacional (ALN). Seu papel no movimento era levantar informações e criar frentes de massa. “Sem o envolvimento da sociedade não teria como acabar com a ditadura e não queríamos apenas isso, mas sim colocar em seu lugar uma sociedade mais justa”, afirmou Tania.

A sobrevivente ainda afirmou que, na época, andar com dois exemplares de jornais já era considerado subversão, mas graças a sua aparência comum para os padrões da época, ela não levantava suspeitas. Conseguiu estudar, fazer estágio e trabalhar. Após seu envolvimento com Gabriel Prado Mendes, que se tornaria seu marido, suas ações do dia a dia passaram a ser monitoradas por agentes da repressão, o que os obrigou a mudar para o Mato Grosso. Na volta a São Paulo, em 1973, devido à precariedade do local onde viviam, o casal foi preso pela Operação Bandeirantes (Oban). “A tortura de casal é muito pior, pois dá ao torturador mais armas para a prática. Fui torturada e fiquei trancada dentro de um armário minúsculo ouvindo meu marido ser torturado”, relatou.

Após ser solta, Tania continuou com projetos sociais e com a militância, para buscar o melhor para a sociedade. “Cria-se a mitologia que a geração (da Ditadura) foi apenas sofredora, mas foi uma geração exitosa. A pior coisa da tortura é a pessoa virar um objeto, um ser insignificante. Por isso não podemos deixar que eles (torturadores) saiam vitoriosos.”

Tortura na gravidez

A segunda sobrevivente a relatar sua passagem pelos porões da ditadura foi Crimeia de Almeida, que atuou na guerrilha do Araguaia e foi presa, grávida, em São Paulo pela Oban. Crimeia teve uma educação baseada em preceitos liberais e contestadores. Aos 12 anos de idade, participou em sua escola da primeira manifestação, onde os alunos estavam com opinião dividida para abrigar uma escola experimental, Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (PABAEE), no Instituto de Educação de Belo Horizonte. Revoltada com a decisão, questionou o diretor e mobilizou alguns alunos. “Fui chamada de comunista, o que mais tarde assumi com muita honra”, afirma. Com 17 anos, seu pai desapareceu e sua família passou a procurá-lo em instituições militares, o que a deixou em contato com presos políticos. Anos depois foi presa em Ibiúna. Depois de solta, já em contato com comunistas, foi para o Araguaia, onde ficou quatro anos. É considerada a primeira mulher jovem a integrar a luta em local hostil, sem estradas e energia elétrica.

Crimeia contou ainda que o machismo era muito forte, mesmo dentro do partido, mas que continuou firme. Com o início da Guerrilha do Araguaia, em 1972, a comunicação com o partido em São Paulo tornou-se quase impossível. Assim, Crimeia se tornou o eleo de comunicação entre os guerrilheiros e o partido, por meio de viagens. Em uma delas, grávida, foi presa e torturada em São Paulo. Um médico acompanhava a tortura e dizia: “ela aguenta a tortura nos pés e nas mãos, só não pode espancar a região da barriga”.

Transferida para Brasília, descreve o lugar onde ficou presa: “fiquei isolada em uma cela sem banheiro, então eu usava uma lata. Minha comida era arroz, feijão cru e vértebras de boi. Na cela, quando a minha bolsa rompeu, muitas baratas, que lá existiam, voaram sobre mim”.

O médico, que a examinou, afirmou que o bebê não iria nascer e a doparam para retardar o nascimento. Depois de alguns dias, seu filho nasceu: “impedida de vê-lo, eu só ouvi seu choro”.

Depois de muitas reviravoltas, Crimeia conseguiu encontrá-lo, desnutrido e dopado. “Ele ficou nessa situação por 53 dias.”

Após ser solta, graças à atuação de um advogado, Crimeia iniciou uma busca para encontrar seu filho e sobrinhos que estavam nas mãos de policiais. “Infelizmente, muitas ações daquela época, como as descritas, funcionam até hoje”, concluiu Crimeia.

fonte: Agência Alesp

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