Por uma solução pacífica e não militar para a situação no Haiti

22/08/2008 14:25:00

Tropas da ONU

 

A tônica do debate foi dada pelas as palavras de ordem “Oh Lula, escuta aqui, retire já as tropas do Haiti!”`, incentivadas pela juventude que teve participação maciça no ato.

A atividade aconteceu nesta quarta-feira, 20 de agosto, na Assembléia Legislativa de São Paulo e reuniu mais de cem pessoas, entre militantes partidários, estudantes, advogados, associações, movimentos populares, sindicalistas e público em geral.

Compôs a mesa dos debates o advogado e ativista haitiano, David Josué; Markus Sokol – membro do Diretório Nacional do PT pela corrente O Trabalho; Milton Barbosa, do Movimento Negro Unificado; Rafael Pinto, da Coordenação Nacional de Entidades Negras; Renato Simões, secretário Nacional de Movimentos Populares do PT; Marcelo Buzzeto, representante do MST; – Claudio Aparecido da Silva – Claudinho, secretário estadual de Combate ao Racismo do PT; Julio Turra, representante da Central Única dos Trabalhadores, além dos deputados Adriano Diogo e José Candido que coordenou a mesa dos debates.

Também participaram do ato os haitianos Jean Milos Rocheman, Kathia Ridore e Roosevelt Jean Felix, que estão no Brasil participando de um seminário na universidade do MST em Guararema.

No início do ato foi exibido um filme com imagens de feridos durante as ações das tropas no Haiti. Entre as vítimas estavam crianças, mulheres – algumas grávidas e jovens.

Para Markus Sokol, “após quatro anos é uma vergonha as tropas brasileiras chefiarem a missão que soldados atiram indiscriminadamente nas pessoas. Esta missão de humanitária não tem nada!”, afirmou.

Segundo ele, discute-se no governo federal o envio de tropas militares também para Guineau Bessau. “Estamos alimentando um monstro”, disse.

Sokol informou que ao assistir o vídeo fornecido por David Josué, o Senado sinalizou que vai convocar o ministro da Defesa, Nelson Jobim para pedir esclarecimentos, para ele, “não irá resolver muita coisa, o conserto possível é devolver o direito ao povo de se reordenar e a retirada imediata das tropas do Haiti”, declarou.

O deputado estadual Adriano Diogo lembrou a morte dos jovens cariocas no Morro da Providência, “se não tivessem matado os jovens na Providência poderíamos duvidar dessas denúncias. Os torturadores, assassinos estão vivos e soltos. Pior, estão falando em nome do povo brasileiro!”.

A sugestão feita por Renato Simões foi a realização de uma Conferência Nacional sobre o Haiti para uma discussão ampliada sobre o tema. “Não há resultados, justificativas para a permanência das tropas. É preciso encerrar um ciclo para iniciarmos outro”, ressaltou Simões.

Para Milton Barbosa do MNU, “o Haiti é um exemplo de luta e resistência da comunidade negra, isso o imperialismo não permite e querem manter essas pessoas oprimidas. Os europeus têm que reconhecer que devem reparação aos negros”.

Segundo os membros da mesa o Brasil enviou 1200 soldados para o Haiti e são gastos 575 milhões de dólares por ano na manutenção das tropas da ONU no local.

Ainda segundo eles, após os quatro anos da presença das tropas, nenhuma das três promessas feitas para o envio dos soldados foram cumpridas: permanência por seis meses, renovável por igual período, convocação de eleições e ajuda internacional anual de US$ 1 bilhão

Leia na íntegra o discurso do advogado e ativista haitiano David Josué, nele você encontrará informações sobre como tem sido a ação dos militares no Haiti e conhecer as graves denúncias de violação aos Direitos Humanos.

Por David Josue

Sinto-me grato, honrado e com humildade falo a vocês em nome dos haitianos que não mais estão vivos para falar e em nome de todos os haitianos e amigos do Haiti que desejam uma solução pacífica e não militar para a situação no Haiti.

Todos nós gostaríamos de virar a página e começar tudo de novo, com um Novo Haiti; um Novo Haiti onde todos os haitianos em toda parte, e pessoas que descendam de haitianos em qualquer parte possam participar constitucionalmente do Renascimento do Haiti.

É chegado o tempo de calar as armas.

É chegado o tempo para a paz duradoura.

Pelo bem do Haiti, é chegado o tempo de Trégua no Haiti e do fim da luta armada.

É chegado o tempo para que a atual presença militar no Haiti chegue ao fim. A manutenção da lei e da ordem num perímetro urbano é uma questão policial e não para tropas militares. O Haiti necessita de assistência da força policial, ajuda financeira, de trabalhadores humanitários e da ajuda dos haitianos de toda parte para participar do desenvolvimento do Haiti.

É chegado o momento de os haitianos agirem pró-ativamente no sentido de prepararem-se para assumir a responsabilidade que os aguarda depois que a MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti) partir. Atualmente, a MINUSTAH representa, em princípio, a Estabilização mas, na prática, é a ocupação.

É chegado o tempo de os soldados saberem quando voltarão para casa, para seu amado Brasil, e os outros, para suas respectivas terras natais. Muito freqüentemente, o emprego de soldados brasileiros e de outros soldados estrangeiros – nas já depauperadas vizinhanças do Haiti – para prender um ou dois transgressores resulta na desafortunada morte de mulheres, crianças e espectadores. O que os Brasileiros que lideram os soldados das Nações Unidas fizeram a pessoas inocentes do Haiti é pior do que as Forças Armadas do Haiti foram acusadas de fazer. Imaginem os desarmados, já assustados e traumatizados civis que falam ‘Creoule’ tentando reagir a soldados que lhes gritam ordens em português, árabe, cingalês, tâmil ou em espanhol. 

Já faz quatro anos que as famílias no Haiti estão vivendo com medo das tropas estrangeiras e também são forçados a pagar grandes somas pelo retorno de pessoas queridas que são seqüestradas em função da urgência de seqüestradores, recebendo em troca apenas corpos mutilados e sem vida…

Testemunhas oculares e sobreviventes relataram que, durante uma partida de futebol organizada em prol da paz em Martissant, muitos foram metodicamente executados no estádio, enquanto as tropas assistiam sem nada fazer, como em Ruanda.

O que será necessário para que se investigue o que houve de errado naquele dia?

Tudo aquilo de acordo a soma de $535,372,800.00 ao ano, $44,614,400.00 ao mês, $1,593,371 ao dia… sim, isso significa um custo de $66,390 por hora para manter os soldados no Haiti e isto vem ocorrendo há quatro anos.

Ainda assim, a fome, a insegurança e a segregação politica  estão em vantagem, enquanto as mortes de civis inocentes são numerosas.

Face à fragilidade das construções em Cite Soleil e do poder das forças armadas com seus projéteis, capazes de penetrar em metais, madeira e casas de concreto, quantos alvos esperava-se que as tropas atingissem ao disparem 22,000 rodadas de munição numa populosa área de civis? Aquilo foi escandaloso e exagerado, considerando a evidente vantagem militar das tropas, de um lado e, de outro, as perdas e danos para a população civil – o que poderia ter sido evitado. Em 3 de Julho de 2008, o mundo tomou conhecimento de que 15 reféns foram resgatados das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e nenhum tiro foi disparado. O General Freddy Padilla disse “queríamos que acontecesse como foi hoje, sem um único tiro, sem nenhum ferido, totalmente sãos e salvos e sem nenhum arranhão”.

As tropas das Nações Unidas, lideradas por Brasileiros, ao contrário, adentraram Cite Soleil para prender um homem, sob pretexto de que ele mantinha a população refém através de intimidação e outras alegações; 10,000 disparos foram feitos de pesadas armas automáticas e canhões de 30mm naquela populosa favela à beira-mar. O suspeito pelo qual procuravam não foi encontrado. Não obstante, deixaram uma trilha de desastre e um precedente terrível para trás.

Como, então, podem pedir-nos para confiar nestes soldados, quando pelo programa SAVE THE CHILDREN (Salvem as Crianças) o mundo tomou conhecimento sobre o envolvimento de soldados das Nações Unidas em estupros, exploração sexual e tráfico de mulheres e crianças de até 6 anos de idade no Haiti e no Sudão?

Serão lembrados todos os bebês, crianças, homens e mulheres que encontraram a morte prematura pelas mãos da missão liderada por brasileiros. Eles não podem simplesmente ser esquecidos como se fossem Danos Civis Colaterais; o Haiti não está em guerra.

Eu gostaria que o Brasil fosse lembrado como o país que tornou possível a paz no Haiti, sem o uso de uma solução militar.

A postura dos soldados não induz a confiança na população civil de que seja uma Missão de paz, mas induz à população na crença de que a missão se voltou contra civis desarmados, os quais haviam jurado proteger. A estabilização, no nome, mas ocupação, na prática, é um problema.

A solução haitiana não é militar. Não vou adotar uma postura nacionalista incerta; nós iremos precisar da assistência de nossos amigos em diversos projetos.  Precisaremos de tratores para a agricultura, mas não precisaremos de tanques e outras armas de guerra. 

Precisamos vivenciar a implementação de políticas voltadas para o povo, que reconstruirão o Plaine du Sud, o vale de Artibonite e as cestas de pães do Haiti uma vez mais.

Segundo um Artigo da Associated Press, publicado no Miami Herald em 20 de julho de 2008, que foi citado num Relatório de uma Agência Norte-Americana de Desenvolvimento Internacional “…da efusão de garantias internacionais, que incluíram mais de 40.000 toneladas de alimentos cuja finalidade era amenizar a emergência, no início de Julho de 2008, menos de 2% tinham sido distribuídas”.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não queria que se repetisse no Haiti a matança e o caos ocorridos em Ruanda depois da partida da MINUSTAH. Estas palavras são a prova de que ele é um homem de compaixão e a compaixão não é apenas uma virtude, mas uma obrigação.

A história agradecerá Vossa Excelência por comandar a retirada pacífica das tropas no Haiti e evitar a perda das vidas que mencionou.

Distintos Membros do Congresso Brasileiro, seu país aceitou o papel de Nação Líder no Haiti e vocês devem ter motivos por terem feito isso. Portanto, eu lhes peço que ouçam seus eleitores e apóiem a Agenda para a Paz e Reconciliação, bem como para o fim das operações militares no Haiti.

Peço às Igrejas que não permaneçam caladas diante de nossos problemas e que o clero não permaneça inepto.

Por favor, acabem com a ocupação em memória das crianças inocentes que morreram e dos órfãos que estão lutando para sobreviver a todas as desigualdades.

Quando as famílias brasileiras falarem sobre o Haiti, que seja sobre férias ou oportunidades de negócios, mas não sobre onde seus entes queridos perderam a vida.

Quando as famílias haitianas pensarem sobre o Brasil, que seja no sentido de tentar igualar-se à história de sucesso desta república, mas não de soldados brasileiros que dispararam as armas de guerra que mataram seus entes queridos.

Nenhuma vida deve ser apagada. Nem a dos soldados brasileiros, nem a de cidadãos do Haiti.

Nós os povos da América Latina, do Sul e Central e das Ilhas Caribenhas, devemos viver em paz.

A fome, a doença e a morte têm sido nosso fardo por longo tempo, mas nada fere mais do que a total indiferença dos demais.

Os novos líderes se vangloriarão das vidas que salvaram, mas não das vidas que tiraram para conseguir suas patentes.

A todos dentre vocês que apóiam a retirada imediata das tropas do Haiti, agradeço em nome daqueles cujas vidas não foram poupadas no Haiti.

O povo haitiano tem muitos amigos ao redor do mundo; nós recordaremos sempre de sua bondade de coração.

As comunidades Progressistas ao redor do mundo permanecerão vigilantes em seu apoio por um Haiti pacífico.

Estendo minha mais profunda gratidão ao Partido dos Trabalhadores do Brasil, à Juventude Revolução, à L’Union General des Travailleurs de Guadeloupe, à Association des Travailleurs et Peuples de la Caraibe, à Travaye e Peyizan, ao Movimento Negro Unificado, aos representantes eleitos da República Federativa do Brasil, aos estudantes de todo Brasil; a vocês e a todos os demais digo muito obrigado por apoiarem a paz no Haiti.

Meus irmãos e irmãs no Haiti estão morrendo de fome pela paz, ordem e união; os haitianos não perderam seu poder de recuperação e sua determinação para alcançar o sucesso. Nossa força encontra-se dentro de nós; retiraremos força de nossas conquistas do passado e, com a ajuda de nossos amigos, forjaremos uma solução pacífica para este impasse.  

Obrigado por convidar-me e viva a amizade brasileira-haitiana.

 

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