Tijuco Alto, ameaça ao homem e à natureza

20/09/2007 15:18:00

O Governo do Estado de São Paulo tem pleno conhecimento de que o Vale do Ribeira abriga a população mais pobre do interior do Estado.

Como alternativa para a superação desse estado de pobreza, o Governo do Estado avança de braços dados com o poder econômico, endossando soluções simples, como a provável expulsão e desapropriação de famílias, pequenos agricultores, aldeias indígenas e quilombolas que, há séculos, ocupam a região.

Esse processo terá início com a construção da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, seguida de outras três usinas planejadas para acontecerem ao longo do Ribeira de Iguape, nas regiões de Funil, Itaoca e Batatal.

A barragem foi planejada para o alto curso do Ribeira de Iguape, entre as cidades de Ribeira (SP) e Adianópolis (PR), inundando terras em Cerro Azul (PR), Doutor Ulisses (PR) e Itapirapuã Paulista (SP), num total de 51,8 km2, que corresponde aproximadamente a 11 mil campos de futebol. Pretende gerar 144 MW de energia que deverá ser consumido exclusivamente pela indústria de alumínio do Grupo CBA, localizada a 250 Km da região, no município de Alumínio (SP).

Em contrapartida, a Reserva de Mata Atlântica da região sudeste, constituída por 17 municípios  do Vale do Ribeira, tornou-se uma das seis áreas brasileiras que passaram a ser consideradas pela UNESCO como Patrimônio Natural da Humanidade. Assim, o Vale do Ribeira possui 2,1 milhões de área de Mata Atlântica contínua, representando 21% do total preservado no país, envolvendo cerca de 24 Unidades de Conservação, onde vivem dezenas de espécies de animais ameaçados de extinção, como a onça-pintada, a jaguatirica, o veado campeiro, a jacutinga, o jacaré-de-papo-amarelo e o papagaio-de-cara-roxa, além de 42 espécies como o beija-flor rajado, o boto-cinza, o zabalê e o mico-leão-da-cara-preta; são mais de 270 cavernas catalogadas e espécies raras de flora como o cedro, o palmito, a canela, a araucária, a caxeta e uma diversidade de bromélias e orquídeas.

Paralelamente à necessidade de se preservar  essa imensa riqueza natural, o Vale do Ribeira detém uma importante riqueza social, compreendendo 51 quilombos, 400 índios guaranis, assentamentos da reforma agrária com o conceito de agro-ecologia,   pescadores e uma quantidade enorme de pequenos agricultores, que corresponde a uma das maiores populações rurais do Estado de São Paulo.

Outrossim, é notório que as grandes barragens têm causado problemas de ordem ambiental e social em todo o país. Com a construção de hidrelétricas, as áreas inundadas têm desalojado milhares de famílias, que perderam suas terras. Quando se pretende construir uma usina, os pretextos são sempre os mesmos para iludir a população: geração de empregos, renda, desenvolvimento da região e fim das enchentes. Na prática, os resultados esperados se apresentam de forma contrária: aumento da pobreza, inundação de áreas férteis, degradação ambiental com a destruição do meio ambiente, expulsão de enormes contingentes de população, o êxodo rural e aumento de favelas nos centros urbanos.

De modo que, essas barragens são de interesse único das grandes indústrias e dos grandes centros urbanos, que a quilômetros de distância, não se importam com os impactos ambientais e os problemas sociais que causarão à região. O Tijuco Alto é um claro exemplo, já que toda a energia será utilizada por uma empresa privada, para aumentar os seus lucros, enquanto a região ficará com os prejuízos, com a contaminação da água do Ribeira de Iguape com chumbo e outros metais pesados e o desalojamento das populações de suas terras produtivas.

A primeira tentativa de construção da hidrelétrica do Tijuco Alto começou em 2003, quando o IBAMA reprovou o estudo apresentado pela empresa. Em outubro de 2005 a CBA entregou novo Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) ao IBAMA e que demonstra a provocação de uma série de impactos sócio-ambientais na região, a partir do reservatório formado pela barragem:

 

1. Prevê-se que 33 áreas com potencial de mineração serão atingidas e duas cavernas inundadas (Gruta do Rocha e Gruta da Mina do Rocha), com conseqüências desconhecidas e potencialmente catastróficas.

2. O relevo e as características da região serão modificados. No trecho do rio acima da barragem ocorrerá um assoreamento, com obstrução do leito do rio  e de seus afluentes, alterando o regime hídrico do rio, com influência sobre os peixes e  a navegação.

3. Inundação de solos férteis e alteração de outras áreas, com impactos sobre as condições da agricultura e mesmo, para a pastagem.

4. Dos 5.180 hectares que serão desmatados, 55% é formado por vegetação em estágio médio ou avançado de regeneração.

5. As alterações no clima, com o aumento da umidade do ar, da nebulosidade e da intensidade dos ventos, poderão provocar perda de produtividade nas lavouras.

6. Algumas espécies de árvores poderão morrer com a elevação do nível da água, formando um cenário conhecido como paliteiro, ou cemitério de árvores.

7. Diminuição do número de espécies de peixe que migram rio acima, para reproduzir nos afluentes do Ribeira de Iguape,

8. Os impactos sobre a fauna serão os mais diversos, envolvendo mamíferos, répteis e anfíbios. Além do que, o desmatamento vai alterar a diversidade de aves que atualmente existe na região.

9. Desestabilização ecológica do complexo estuarino do Lagamar, com diminuição de peixes e frutos do mar, com conseqüências negativas para a pesca e o turismo.

10. Inundação de áreas urbanas e rurais, incluindo comunidades quilombolas, com o desalojamento de milhares de pessoas, gerando conflitos sociais.

 

Nesse contexto, há necessidade de se analisar os pretextos que as empresas colocam para justificar a importância da construção das usinas, senão vejamos:

 

1.      Durante o processo de construção da usina, a obra poderá envolver 1500 pessoas. No entanto, apenas 10% (150) serão moradores da região, em sua maioria em empregos com baixa remuneração. Após o término da obra, a previsão é de se manter apenas 120 empregos, na maioria ocupada por pessoal técnico, que vêm de fora da região.

2.      Os prefeitos acreditam que a barragem vai gerar royalties, uma espécie de indenização paga pela perda da área alagada (fixada em 6% do valor da venda de energia aos municípios da região). No entanto, essa não é a verdade, já que os royalties geralmente são pagos apenas aos municípios que tiveram suas terras alagadass (no caso, Adrianópolis e Ribeira), enquanto que os prejuízos da barragem atingem todos os municípios localizados rio abaixo.

3.      O Ribeira de Iguape leva continuamente uma grande quantidade de matéria orgânica para a sua foz, o que dá alimento aos peixes e, por isso, torna o local ideal para a procriação da vida marinha, o que justifica a existência do Lagamar. Com a construção da barragem, o fluxo de matéria orgânica será interrompido, prejudicando as condições de sobrevivências dos peixes e, conseqüentemente, a vida de milhares de pessoas que dependem dessa atividade.

4.      Argumenta-se que o Tijuco Alto é um projeto isolado, sem relação com outras barragens. No entanto, o EIA/Rima feito pela CBA afirma que, para que ela possa conter as cheias deverão ser construídas outras barragens, tanto acima como abaixo do Tijuco Alto. Com certeza, a construção de outras barragens provocará maiores impactos ambientais e sociais, com a inundação de uma área mais extensa e o desalojamento de mais pessoas.

5.      O Tijuco Alto será fundamental para o desenvolvimento do Vale do Ribeira. Ora, a região  abriga a maior área contínua de mata atlântica do país e uma beleza natural de fazer inveja à ecologia do planeta, com perspectivas de muito emprego e renda através do ecoturismo. Além do que, a energia a ser gerada pelo Tijuco Alto e outras usinas planejadas, serão utilizadas por empresas consumidoras de fora do Vale do Ribeira, enquanto os impactos ambientais e sociais ficarão para a região. O Vale do Ribeira não depende de obras e projetos milagrosos, mas de políticas públicas que entendam suas peculiaridades e que possam criar alternativas sustentáveis de crescimento.

6.      A CBA em seus estudos afirma que não há perigo das águas invadirem cavernas e ressurgirem em locais desconhecidos. Não é o que o IBAMA diz. Pareceres indicam que o estudo não listou todas as cavernas existentes, omitindo sem razão aparente a existência de algumas cavidades conhecidas. As cavernas são atrativos turísticos  protegidas por lei. É fundamental a catalogação de todas as cavernas, mesmo porque elas podem desabar com o peso do lago que será criado, provocando terremotos artificiais (sismos induzidos), que poderão até comprometer a segurança da barragem.

 

Por fim, o processo de licenciamento para a liberação da construção da Usina Tijuco Alto entrou em fase final, após cinco audiências públicas organizadas pelo IBAMA na Região do Vale do Ribeira, onde a repulsa a o empreendimento foi unânime entre os movimentos sociais, ambientalistas e moradores da região.

A atuação da Procuradoria da República no Estado de São Paulo tem sido providencial, recomendando que o IBAMA exija do empreendedor uma série  de estudos antes de decidir sobre o licenciamento do projeto de construção da Usina Hidrelétrica Tijuco Alto. O Ministério Público Federal entendeu que o EIA-RIMA não realizou diagnóstico da situação de toda a bacia hidrográfica do Ribeira de Iguape, deixando de apontar e avaliar os impactos concretos e potenciais que poderão ocorrer nessas áreas de influência com a construção da hidrelétrica. Os procuradores apontaram, ainda, a deficiência de metodologia no levantamento do meio sócio-econômico da região, especialmente, quanto a comunidades quilombolas do Vale do Ribeira e populações rurais da área a ser afetada e das populações que vivem a jusante do rio até a sua foz.

Nesse contexto, a palavra final caberá ao governo federal, que emite as licenças através do IBAMA. Como aconteceu com a Hidrelétrica do Rio Madeira, há grandes possibilidades de liberação da barragem do Tijuco Alto e das outras três (Funil, Itaoca e Batatal), com grandes prejuízos para a região do Vale do Ribeira.

O impedimento da construção da barragem do Tijuco Alto dependerá da capacidade de mobilização e unificação de todos os setores sociais do país.

 

                                                                    

 

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