Queda da CPMF revela conflito de agendas no ninho tucano

17/12/2007 16:41:00

Enquanto estiveram comandando a política econômica do país, os tucanos foram tudo, menos desenvolvimentistas.  A taxa de juros nas alturas e o câmbio supervalorizado trouxeram grandes problemas para a economia brasileira.            

O círculo vicioso que a economia brasileira viveu neste período pode ser descrito da seguinte maneira:  baixos níveis de crédito e financiamento levaram à redução dos níveis de investimento público e privado. Experimentando um medíocre crescimento econômico, os problemas nas contas externas e nas contas públicas do país aumentaram, com crescimento da dívida pública interna e aumento dos déficits no Balanço de Pagamentos. 
         
O receituário para re-equilibrar as contas públicas e as contas externas, diante do aumento do peso da dívida interna e dos desequilíbrios externos, invariavelmente, repousou no aumento dos juros, nos cortes dos gastos públicos sociais e dos investimentos públicos e no forte crescimento da carga tributária.     
      
Como decorrência do baixo crescimento econômico, assistimos também ao aumento do desemprego e ao baixo poder de compra do salário mínimo.     
      
Em resumo, a política macroeconômica tucana, baseada em uma política monetária (juros altos) e fiscal (corte dos gastos públicos) contracionista, só poderia conduzir o país a um medíocre crescimento econômico, baixíssimos níveis de investimento, consumo interno e exportações. 
          
A renegociação da dívida pública dos Estados com a União a partir de 1997 revelou claramente este componente de ajustamento do setor público durante o período tucano, conduzindo à redução do tamanho do Estado a qualquer custo.    
       
Através do acordo entre a União e o Estado de São Paulo em 1997, este último só teria direito a refinanciar sua dívida com a União pelos próximos 30 anos, a taxas de juros de 6% ao ano, correção pelo IGP-DI e amortização pela tabela price se atendesse diversas metas, entre elas: a ampliação do superávit primário, a ampliação das privatizações, a redução das despesas com o funcionalismo público, a redução dos investimentos públicos e a redução das operações de crédito (operações de financiamento).      
     
Analisando as condições de refinanciamento da dívida em si, estas deixaram de ser interessantes já em 1998, com a forte crise financeira enfrentada pelo país, levando à desvalorização forçada do real e seus impactos duplamente negativos sobre as finanças estaduais. 
          
De um lado, com a desvalorização cambial, as dívidas estaduais foram pressionadas para cima pelo IGP-DI, indexador das dívidas nos contratos de renegociação e fortemente suscetível às variações cambiais. De outro lado, as receitas públicas foram pressionadas para baixo pela recessão em que o país mergulhou.  
         
 A imprensa pouco relatou, mas já na época, era impossível atender às metas de redução do endividamento público com as condições macroeconômicas existentes.   
        
Algumas metas foram flexibilizadas pelo próprio governo federal, mas o componente privatista do acordo permaneceu intacto. 
          
Privatizações, terceirizações e redução dos investimentos públicos em infra-estrutura foram os resultados mais visíveis desta política de ajuste fiscal continuado, que não conseguiu, e nem poderia, diminuir o tamanho da dívida pública estadual nas condições pactuadas. 
          
A verdade é que a dívida do Estado em relação às suas receitas têm diminuído apenas nos últimos anos, com a melhoria das condições macroeconômicas do país e a implementação de uma agenda desenvolvimentista pelo governo Lula.     
      
Em números, a relação entre a Dívida Consolidada Líquida do Estado de São Paulo e sua Receita Corrente Líquida subiu de 1998 até 2002, atingindo a marca de 2,27. Apenas a partir de 2003 esta relação começou a cair, atingindo seu nível mais baixo em 2006, com o índice de 1,89. Este valor, inclusive, permitiu que o Estado se enquadrasse na Resolução 40 do Senado Federal, que prevê que a dívida seja no máximo duas vezes superior à receita corrente líquida.    
       
Conforme podemos observar, o comportamento do endividamento paulista tem relação estreita com a condução da política macroeconômica do Governo Lula, que por sua vez tem se baseado em dois objetivos: a) defender a economia brasileira das crises financeiras internacionais – o que parece estar sendo bem sucedido neste último período, diante dos problemas iniciados no mercado imobiliário americano e que afetaram as bolsas de valores do mundo inteiro; b) elevar as taxas de crescimento econômico do país, sobretudo através da ampliação dos investimentos e do consumo interno (demanda interna). 
          
O forte aumento do superávit comercial e da Balança de Pagamentos, a busca por um câmbio real, a melhoria do perfil da dívida pública brasileira, o acúmulo de reservas estrangeiras, a redução dos juros (sobretudo da taxa de juros de longo prazo/TJLP, presente nos contratos de financiamento do BNDES para projetos de investimentos), a ampliação do crédito ao consumo, a recuperação do poder de compra do salário mínimo e a retomada dos investimentos públicos e privados, através do PAC, são os principais pontos desta agenda desenvolvimentista em curso. 
          
Devemos ressaltar que o crescimento do país, com o respectivo aumento das importações, só seria possível com o afastamento dos problemas históricos do Balanço de Pagamentos, discussão que persegue os economistas brasileiros a cerca de cinco décadas.
           
Superar a fragilidade nas contas externas brasileiras – que ora apresentava déficit na balança comercial, ora na conta capital e sempre na conta de serviços – com impactos negativos constantes sobre o Balanço de Pagamentos, sempre foram um dos principais problemas a serem solucionados.   
        
Pois em 2006, o país atingiu a marca histórica de um superávit no Balanço de Pagamentos de US$ 30,5 bilhões, quarto ano de uma série de superávits expressivos, todos eles durante o Governo Lula.
           
Grande parte deste superávit no Balanço de Pagamentos em 2006 foi resultado direto de outra marca impressionante: a Balança Comercial brasileira (diferença entre produtos exportados e produtos importados) atingiu o superávit de US$ 46 bilhões, o maior da história.
           
As reservas externas brasileiras, que já haviam atingido US$ 85,8 bilhões em 2006, estão batendo novo recorde histórico em 2007, na casa dos US$ 180 bilhões. 
Diante da enorme liberalização financeira existente, com a possibilidade de fuga de capitais financeiros a qualquer momento, a existência destas reservas foram fundamentais para que não sofrêssemos, até aqui, maiores efeitos em relação à forte crise financeira que se abateu sobre a economia dos EUA em 2007, sobretudo em seu mercado imobiliário, gerando perturbações nos mercados de crédito e capitais em todo o mundo. 
          
Mais ainda, esta situação nas contas externas permitiu a criação de espaço para o crescimento das importações – sobretudo de máquinas e equipamentos – fundamentais para a recuperação do crescimento econômico. Ampliou também as possibilidades de redução dos juros internos (taxa SELIC), já que o país não tem necessidade de atrair enorme volume de capital externo para equilibrar o Balanço de Pagamentos. 
          
A taxa de juros interna vêm caindo a mais de dois anos, desde 2005, sendo que os juros reais estão atingindo o menor patamar da história – cerca de 7% ao ano.             
A TJLP, fundamental na sinalização do financiamento aos grandes projetos de investimentos, atingiu o seu patamar mais baixo desde 1995, ou 6,25% ao ano. 
          
Com o advento do crédito consignado e a redução dos juros, a relação entre crédito e PIB no país atingiu outra marca expressiva: 30,8% no final de 2006. Em 2007, esta proporção já atingiu a cifra de 37%.
Para que tenhamos uma idéia da importância do crédito nas economias capitalistas, apesar de termos atingido nossos maiores índices da história, estamos ainda muito longe dos países mais desenvolvidos, que possuem a relação crédito/PIB superior aos 80%.A ampliação dos programas sociais de transferência de renda (como o Bolsa Família) e, principalmente, a aceleração da recuperação do poder de compra do salário mínimo, tem permitido uma maior redução das desigualdades sociais, ampliando o mercado interno de consumo de massa.
Em números, enquanto o salário mínimo real aumentou cerca de 40% em oito anos, durante o período FHC, este salário mínimo já cresceu mais de 38% em apenas quatro anos do Governo Lula.Há ainda muito por fazer para a redução da desigualdade no país, mas a direção seguida pelo Governo Lula revela-se correta.Não por outro motivo, o país deve atingir um crescimento econômico da ordem de 5% em 2007, com inflação extremamente baixa.
Neste ambiente, devemos ressaltar como a agenda econômica das principais lideranças tucanas tem entrado em conflito nos últimos tempos, sem que a mídia nativa realize maiores comentários.     
      
Na verdade, as mudanças são substanciais, sobretudo em se tratando do Governo Serra em relação ao seu antecessor no Estado e à era FHC, ambos do mesmo partido.            Surfar na onda do crescimento econômico e na agenda desenvolvimentista do Governo Lula tornou-se o esporte predileto do Palácio dos Bandeirantes.  
         
 Primeiro, retomando o projeto de criação das Agências Regionais de Fomento ao Desenvolvimento e do piso estadual salarial, que estavam na gaveta tucana em SP por muitos anos.    
       
Depois, buscando recursos federais e internacionais a qualquer custo para a retomada dos investimentos públicos, uma vez que segundo as palavras do próprio Secretário Estadual da Fazenda, a capacidade de investir do Estado, no governo tucano anterior, era muito pequena. 
          
Nesta linha, a aprovação de mega financiamentos junto ao BNDES, ao BIRD e ao BID – no valor total de R$ 5,2 bilhões – rompe definitivamente com a lógica tucana anterior, prevista no acordo de renegociação da dívida, que impunha limites aos investimentos e às operações de crédito dos Estados. Cumpre lembrar que foi o Governo Lula que permitiu a ampliação da capacidade de investimentos e de tomar empréstimos do Estado de São Paulo, segundo acordo firmado em 2007.  
         
Finalmente, o Governo Serra rompe com a agenda tucana anterior criando mais de 1.000 cargos para preenchimento em áreas ligadas à gestão pública.
           
É interessante notar o modo como o Governo Serra vem pegando carona na agenda desenvolvimentista do Governo Lula.  
         
Com certeza, a população do Estado será beneficiada, nos próximos anos, por significativos investimentos, sobretudo no transporte público, no saneamento e na habitação, previstos no PAC. 
          
 Mais interessante ainda notar que o conflito de agendas para o país no ninho tucano continua forte, sobretudo na discussão recente sobre a CPMF. Devemos lembrar que, por enquanto, prevaleceu a agenda voltada para o passado (FHC/Alckmin), baseada no ajuste fiscal contínuo. 
Com a queda da CPMF, os tucanos fiscalistas derrotaram o Governador Serra, cortando recursos que ajudariam no financiamento da ampliação das políticas de saúde e de transferência de renda, com efeitos negativos sobre os orçamentos dos Estados e dos Municípios.  
Infelizmente, parece ser improvável que a mídia nativa apresente de maneira clara este conflito de agenda na política tucana.  
          
Mais improvável ainda que a mesma mídia dê créditos ao Governo Lula pela busca incessante na retomada do desenvolvimento econômico e social brasileiro. 
Eduardo Marques
Economista
Assessoria Financeira da Liderança do PT
  
Nota 1: Estatísticas Econômicas – Fonte: IPEA DataElaboração: Assessoria de Finanças do PT



 

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