Ribeirão Preto foi palco de reunião da CPI da Queima da Cana, em 26/11, que ouviu representantes dos órgãos ambientais – CETESB e Polícia Ambiental – do Ministério Público, Delegacia Regional do Trabalho, prefeito de Tambaú, Associação Ecológica Pau Brasil, Pastoral do Migrante, e o médico pneumologista e professor da USP, Dr. José Carlos Manço.
Ficou evidente que o grande interesse desta CPI é de apenas juntar elementos que justifiquem a necessidade de abreviar o fim das queimadas na pré-colheita da cana-de-açúcar através de legislação mais restritiva.
A ausência de representantes dos trabalhadores do corte de cana e dos Usineiros e seus fornecedores foi sintomática, quanto ao cuidado que a CPI tomou para evitar conflitos e assuntos polêmicos.
Apesar desses cuidados, alguns depoimentos foram mais abrangentes e conseguiram demonstrar que:
• O Estado não consegue fiscalizar e punir adequadamente as inúmeras infrações cometidas pelos usineiros e seus fornecedores, quando desrespeitam as normas que regulamentam as queimadas. Dependendo das necessidades, queimam-se cana a qualquer hora do dia, enquanto a norma só autoriza das 24h às 6h, quando os efeitos maléficos são menores. Há também restrições para queimadas em dias com umidade relativa do ar muito baixa. Na região, a umidade relativa do ar chegou a 5%, equivalente à metade da umidade registrada no deserto do Saara;
• As condições de trabalho e de moradia dos cortadores de cana e, em especial, dos trabalhadores migrantes, são consideradas inaceitáveis para o ser humano. A exigência de uma produtividade mínima de 8 toneladas de cana cortada por dia, demanda um esforço sobre-humano de trabalhadores nem sempre com boa saúde e bem alimentados;
• A remuneração do trabalho – média de R$ 560,00 por mês – é aviltante diante do esforço exigido dos trabalhadores e dos enormes lucros auferidos pelos empresários do setor;
• A monocultura da cana também provoca outros efeitos muito mais desastrosos que a queima da palha por ocasião da colheita como o uso intensivo de adubos químicos, herbicidas, inseticidas, maturadores e a distribuição da vinhaça em áreas de sacrifício, que já provocam a contaminação dos solos e da água subterrânea, colocando em risco o nosso Aqüífero Guarani;
• A monocultura da cana tem provocado êxodo rural, desemprego, concentração da propriedade da terra, da renda e do poder político. O financiamento privado das campanhas eleitorais e dos políticos é um desses mecanismos de poder local, pois conforme disse o promotor Marcelo Goulart Rezende “o empresário nunca dá dinheiro, faz investimento”.
Por todas estas características, a monocultura da cana é incompatível com políticas de desenvolvimento sustentável, trazendo muito mais problemas do que benefícios às regiões onde se estabelece.
Resta saber se a CPI terá coragem de abordar todos estes aspectos do setor sucroalcooleiro, pois a questão da queima poderá ser resolvida pelo próprio setor através da mecanização e do aproveitamento da palha na produção de energia, enquanto os outros problemas só serão resolvidos com a mudança para um novo sistema de produção, baseado na diversificação de culturas com enfoque agroecológico e na democratização do acesso à terra através de uma ampla Reforma Agrária.
