Centenas se mobilizam contra a privatização da CESP Paraná

25/03/2008 15:09:00

Duas manifestações que somaram cerca de 800 pessoas bloquearam ontem as estradas que ligam o estado de São Paulo ao Mato Grosso do Sul no município de Três Lagoas — a ponte sobre a usina hidrelétrica de Jupiá — e na altura da usina de Porto Primavera, no município de Rosana. Os manifestantes protestavam contra a privatização da Cesp Paraná, maior empresa de geração do Estado de São Paulo e a terceira maior do País, que está com seu leilão de venda marcado para dia 26, com preço mínimo de R$ 6,6 bilhões.

“A privatização é um crime contra a população porque não prevê expansão da geração, essencial para evitar uma nova crise energética, e ainda criará desemprego e aumento de tarifas”, dizia o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos de São Paulo, Gentil Teixeira de Freitas, em Jupiá, onde a manifestação foi liderada pelos oleiros de Brasilândia – MS, que tem suas atividades ameaçadas pelo reservatório da Usina Porto Primavera.

Segundo Gerson da Silva, os trabalhadores em olarias, que tinham um acordo com a Cesp pelo qual a empresa se comprometia a fazer obras para compensar o setor pela inundação de amplas áreas que lhe forneciam matéria prima, e até agora as obras compensatórias não foram executadas, e esses passivos não constam no edital de convocação do leilão.

O ato em Porto Primavera contou também com cerca de 300 pessoas, incluindo diversos sindicatos, o MST e o Movimento dos Atingidos por Barragens, além de representantes do comércio local. Além do risco de desemprego, o diretor do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo, Itamar Rodrigues, frisou que a privatização deverá trazer aumento de tarifas sem contrapartidas: “Muitos contratos da CESP no ambiente regulado, com tarifas controladas, estão perto de vencer.

Com a privatização, toda essa energia passará a ser vendida no mercado livre, que paga mais, privilegiando os grandes consumidores. Prevalecerá a lógica do lucro e não do interesse social”, explicou.  Além da preocupação com o cumprimento do papel social que a energia deve ter, os manifestantes acreditam que a privatização põe em risco o pagamento do grande passivo social e ambiental da empresa. 

Os dois atos se inserem em um conjunto de manifestações que vem ocorrendo contra a privatização da CESP, incluindo pedidos de liminar contra a privatização e atos públicos. Só a Assembléia Legislativa de São Paulo foi palco de dois atos realizados nos dias 13 e 18. Este último reuniu mais de trezentas pessoas, incluindo representantes de uma dezena de sindicatos e de três centrais sindicais — o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e os vice-presidentes da União Geral dos Trabalhadores (UGT) e da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) – além de promotores de Justiça da área de Meio Ambiente das regiões impactadas pelos reservatórios da CESP. O Ministério Público de Bataguassu vai notificar as empresas que participarão do leilão sobre o passivo ambiental que a CESP tem quantificado e ainda por quantificar.

Uma das ações judiciais foi movida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do Estado de São Paulo, pedindo que o leilão seja suspenso até que a Assembléia Legislativa tenha acesso à sala virtual que disponibiliza todas as informações econômicas, financeiras, administrativas e judiciais sobre a CESP nos últimos dez anos. A ação reivindica acesso os dados estão disponíveis apenas às empresas interessadas em participar do leilão que paguem R$ 50 mil para ter acesso aos dados.

“É um absurdo que a Assembléia Legislativa, à qual cabe fiscalizar o poder Executivo, não tenha acesso aos dados que lhe permitiriam avaliar a conveniência ou não de se privatizar o maior ativo do Estado de São Paulo”, para Bancada do PT, lembrando que a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em nota técnica ao Ministério das Minas e Energia (MME) sobre a conveniência ou não de se prorrogar a concessão da usina de Porto Primavera, afirma que a avaliação do valor dessa usina “não é firme” e que, portanto, deveria ser refeita. Porto Primavera é a única usina da CESP que poderia ter seu contrato de concessão prorrogado.

 Ao fim da concessão, a usina voltaria a integrar o patrimônio da União, mas esta teria de pagar à concessionária, caso os custos de construção ainda não tenham sido amortizados pelos anos de operação da usina.  No caso de Porto Primavera, o governo do Estado calcula que a União teria de pagar ainda R$ 12 milhões à CESP. A Aneel avalia que o cálculo deve ser refeito, já que os investimentos feitos na construção foram inferiores aos inicialmente planejados: a usina tem menos turbinas e um nível de água menor que o projeto inicial.

Os que combatem a privatização da empresa também lançam mão de argumentos eminentemente financeiros. Comparam, por exemplo, o preço mínimo estabelecido para o leilão da empresa, com o custo para implantação de novas hidrelétricas, que hoje gira em torno de US$ 2.000,00 por kW instalado (as usinas do rio Madeira custarão um pouco mais). Considerando-se a capacidade instalada de geração da CESP hoje, as ações controladas pelo governo paulista valeriam, com estas referências, cerca de R$ 11,6 bilhões e não os R$ 6,6 bilhões estipulados como piso para o leilão. Embora a dívida da CESP Paraná seja de R$ 6,5 bilhões, a empresa tem potencial para auferir lucros anuais da ordem de R$ 2 bilhões. Isso porque seu custo de geração é hoje cerca de três vezes menor que os preços de venda da energia praticados no mercado livre.

“Isso garante à CESP Paraná uma robustez financeira e uma capacidade potencial de produzir lucros que devem ser colocados a serviço de toda a sociedade e não de interesses privados“, diz Hélvio Rech, pesquisador da Universidade de São Paulo, especialista em regulação e serviços públicos concedidos.

 “Uma vez privatizada, não existe restrição nenhuma que impeça os futuros controladores da empresa de transferir para o mercado livre a energia, hoje destinada ao mercado cativo e regulado. No mercado livre poderão auferir lucros fabulosos, enquanto o mercado cativo será obrigado a comprar energia das novas usinas, muito mais caras. Isso resultará em aumento de tarifa numa energia que já está entre as mais caras do mundo”, acrescenta o pesquisador.

Na opinião de Rech, a venda da CESP faz parte dos descaminhos da política energética brasileira que nos últimos anos tem privilegiado os grandes consumidores e os negócios especulativos com a energia, com claro benefício dos agentes intermediários, comercializadores de energia que surgiram à sombra do mercado spot de eletricidade. “A perseverar essa visão, num futuro próximo poderemos voltar a viver um apagão como o de 2001”.

Entre as empresas pré-qualificadas pela Secretária da Fazenda do Estado de São Paulo para participar do leilão da CESP está a Alcoa Alumínio S.A., uma das grandes exportadoras de alumínio do Brasil.

“É inconcebível que uma energia produzida a baixo custo sirva para baratear a exportação de um produto de baixo valor agregado”, finaliza Hélvio Rech.

Para o dia do leilão, está prevista uma manifestação em frente à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *