Representantes da comunidade científica do Estado de São Paulo manifestaram-se contra a proposta do governador Tarcísio de Freitas de reduzir os investimentos destinados à pesquisa, ciência, inovação e desenvolvimento no Estado de São Paulo.
Em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo, nesta terça-feira, 21/5, pela deputada Beth Sahão, representantes das três universidades públicas estaduais e das instituições de ensino superior federais de São Paulo apresentaram suas preocupações e inconformidade com a proposta de desvinculação da verba da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), defendida pelo governador Tarcísio de Freitas.
O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviado pelo governador à Alesp, em 2 de maio, prevê remanejamento de até 30% das verbas de pesquisa para outras áreas da administração pública.
Para enfrentar mais um ataque do governo Tarcísio de Freitas à educação, às universidades e às instituições de pesquisa, a deputada Beth Sahão promoveu a audiência pública em Defesa das Universidade Públicas e Institutos de Pesquisa, com o objetivo de mobilizar a sociedade paulista contra o desmonte das políticas de fomento à pesquisa e conhecimento científico no Estado de São Paulo.
“Sabemos que a Fapesp é importante instrumento para estimular a pesquisa no Estado por meio de parcerias que destinam recursos para as universidades públicas estaduais e federais, bem como universidades privadas. Não há pesquisa sem investimentos”, declarou Sahão.

Agência civilizatória
A vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, disse que participar da audiência pública é importante e decisivo, porque foi com autonomia as universidades puderam chegar ao nível que chegaram. Segundo ela, as universidades públicas de São Paulo não são apenas instituições centrais da ciência, do conhecimento, da cultura e da pesquisa. “São agências civilizatórias. Toda a vida das universidades está voltada para esses fins superiores da pesquisa. E essa história não pode ser entendida sem a Fapesp, que é uma instituição não só do Estado de São Paulo, mas do Brasil, conhecida internacionalmente pela qualidade de seus projetos e das iniciativas que implementa.”

A reitora da Unifesp, Raiane Assumpção, expressou a posição das instituições de ensino federais no Estado de São Paulo, ressaltando que elas têm na Fapesp um apoio fundamental para a produção do conhecimento. Isso porque as universidades federais, que são razoavelmente novas no território paulista, têm cumprido papel fundamental junto com as instituições estaduais nas iniciativas de implementação do direito à educação e da produção do conhecimento.
“Todos sabem do desafio que é o orçamento das universidades e da necessidade de recomposição orçamentária para cobrir o custeio e investimentos em infraestrutura. Para conseguir fazer pesquisa em nossas universidades, com a qualidade necessária, temos contado com o fomento e o aporte feito pela Fapesp. Ela é fundamental para que as universidades públicas continuem cumprindo a sua função, que é produzir conhecimento para o desenvolvimento e soberania da nação, porque, sem esses recursos, parte da nossa missão fica tolhida”, completou Raiane Assumpção.

Medida politicamente tola
Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), fez uma retrospectiva das instituições de pesquisa no país. A SBPC foi criada em 1948, no rescaldo da aprovação da Constituição do Estado de São Paulo de 1947, que nas suas disposições determinava a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo, que seria instalada somente 12 anos depois, já no governo de Carvalho Pinto.
Segundo Janine, a Fapesp consolidou um sistema bem-sucedido de fixar um percentual da receita do Estado para financiar um fundo para a pesquisa científica. A vinculação de receita para a educação e a saúde estão na Constituição Federal e são impositivas a todos os estados. Mas a vinculação de receita para a pesquisa científica e tecnológica existe somente na Constituição do Estado de São Paulo e em algumas outras. “A Constituição paulista é particularmente feliz porque ela fixa o mínimo, enquanto as de outros estados fixam o máximo, sem haver nenhum comprometimento obrigatório de um percentual mínimo de receita para essa finalidade.”
Janine também destacou que o modelo paulista já enfrentou muitas brigas, ocorridas no governo de Paulo Maluf e nas medidas de desvinculação de receitas da União feitas pelo Pano Real e pelo governo Temer. A emenda aprovada no Temer foi revigorada no ano passado pelo Congresso para mais dez anos. É no bojo dessa prorrogação da desvinculação de receitas que foi construída a alegação do governo Tarcísio para levar sua proposta a cabo. Janine destacou, porém, que o assunto é muito controverso e já há liminar no Supremo Tribunal Federal suspendendo medida análoga no estado do Rio de Janeiro.
“Então, temos um caso sólido e várias frentes de luta”, afirmou o presidente da SBPC, acrescentando que se trata de uma medida politicamente tola que cria o risco muito grande de deteriorar a pesquisa e prejudicar a própria evolução econômica do estado de São Paulo.

As conveniências de Tarcísio
A deputada Beth Sahão informou que apresentou emenda à LDO para manter o repasse de 1% da arrecadação que o governo do estado faz a Fapesp anualmente. “Entendemos que a decisão do governo é absolutamente inconstitucional, porque fere a Constituição do Estado. Mas o governador Tarcísio de Freitas tem utilizado a ambiguidade para defender seus interesses. Quando lhe convém, ele evoca a Constituição Federal, como é o caso atual. Em outros momentos, ele apoia-se na Constituição do Estado quando isso atua em seu próprio benefício, como fez recentemente no caso da venda de terras devolutas a fazendeiros.”
Prejuízos de longos anos
O ex-deputado Milton Flávio representou o presidente da Fapesp na audiência. Ele afirmou que é muito importante a participação dos deputados nesse movimento de defesa da Fapesp, para alertarem a sociedade sobre os prejuízos que essa medida do governo pode representar para o futuro da pesquisa, ao longo de muitos anos.
Miton Flávio disse que espera que a emenda assinada pelos parlamentares consiga retirar ou evitar que a proposta do governo seja aprovada na LDO. Ele lembrou que o constituinte de 1989 ampliou os recursos para o fundo da Fapesp para 1% da arrecadação, pagos em duodécimos exatamente para que o valor não fosse corroído pela inflação e não se colocasse em risco o financiamento dessa área tão estratégica.
O representante da Fapesp disse que além do seu papel na produção de pesquisa nas universidades públicas estaduais e federais, no desenvolvimento das startups que elevam a arrecadação do estado de São Paulo, na formação dos professores de todo o país e do exterior e na construção de centros avançados de pesquisa que operam na fronteira da ciência, a Fapesp realiza inúmeros projetos em colaboração com empresas privadas, que aportam recursos.
Segundo Flavio, as grandes empresas brasileiras e paulistas que acreditam na Fapesp e aportam recursos em projetos passarão a questionar se isso vale a penas. “O simples fato de o governo lançar na LDO a perspectiva de que a Fapesp venha a sofrer uma redução de recursos é um desestímulo para essas empresas. Passa-lhes a sensação de que as atividades que elas fazem de forma colaborativa talvez não tenham a importância que elas próprias acreditam.”
A audiência pública promovida pela deputada Beth Sahão faz parte de uma mobilização que reúne diversos setores da sociedade, das universidades e da comunidade científica, estudantes e trabalhadores das instituições afetadas pela medida.
Estiveram presentes na mesa de debates os pró-reitores de Pesquisa e Inovação Paulo Alberto Nussenzveig (USP), Ana Maria Frattini Fileti (Unicamp), Edson Botelho (Unesp) e Adalton Masalu Ozaki, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, e ainda Dora Colariccio, vice presidente da APqC; Ros Mari Zenha, presidente da Associação dos Funcionários do IPT, e Julia Köpf, da UNE.
