Audiência discute ações contra trabalho análogo à escravidão em SP
Audiência discute ações contra trabalho análogo à escravidão em SP

A Frente Parlamentar de Combate ao Trabalho Análogo à Escravidão, coordenada pelo deputado Paulo Fiorilo (PT), realizou nesta quinta-feira, 31/8, audiência pública que recebeu o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), que se encontra em missão na capital do Estado de São Paulo para apurar a situação de trabalhadoras e trabalhadores vítima de trabalho análogo à escravidão em oficinas de costura na cidade.

“Toda vez que um trabalhador ou uma trabalhadora é submetido e submetida a jornadas exaustivas, condições degradantes, trabalho forçado ou servidão por dívida, estamos falando de trabalho análogo à escravidão ou escravidão contemporânea, o que é atitude desumana e crime previsto no Código Penal do nosso país.”

Araci

Trabalhadoras submetidas a essa exploração trouxeram seu depoimento à audiência, entre elas Araci, 69 anos, empregada doméstica resgatada da casa onde trabalhou por três décadas sem férias ou períodos de descanso, segundo a ação movida pela Justiça do Trabalho em São Paulo. Outro importante depoimento foi feito pela presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo, Diana Soliz de García.

O presidente do CNDH, André Carneiro Leão, que é defensor regional de direitos humanos em Pernambuco, falou da dificuldade, em São Paulo, de quebrar a cadeia do trabalho escravo nas oficinas de costura e responsabilizar não só os patrões imediatos, mas também aqueles que mais lucram com essa exploração. Ele lembrou o caso da varejista de roupas Zara, denunciada em 2011 e condenada em primeira e segunda instância.

“Esperamos que essa união de forças, entre Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, possa trazer transformações que não fiquemos apenas no plano do discurso”, disse o presidente do CNDH. Segundo ele, não é possível enfrentar o poder econômico que está por trás do trabalho análogo à escravidão na indústria têxtil, por exemplo, com poucos auditores e procuradores do Trabalho e com ações isoladas dos órgãos públicos.

Informação, leis e políticas públicas

Virgínia Berriel, que coordena a Comissão Permanente Direito ao Trabalho, à Educação e à Seguridade Social, do CNDH, contou que a missão está em São Paulo desde 27/8 e, por meio da escuta de trabalhadoras e de pessoas refugiadas que atuam como costureiras e no trabalho doméstico, chegou à existência de cerca de 150 oficinas de costura onde trabalhadores, sobretudo de outras nacionalidades, são vítimas de trabalho análogo à escravidão. “Os depoimentos são muito doídos, de muita violação”, disse. Ela destacou a necessidade de rever leis para que pessoas resgatadas sejam, efetivamente, indenizadas.

A procuradora do Trabalho Alline Pedrosa Oishi Delena explicou o que é trabalho escravo hoje, afirmando que a violação nas oficinas de costura, em São Paulo, já era grave a 20 anos atrás e que agora parece estar fora de controle. Segundo ela, 100% das 15 mil oficinas na capital mantêm a chamada “jornada boliviana”, em que se trabalha das 7h às 22h, de segunda a sexta, e das 7h às 12h, no sábado. Para Alline Oishi, é possível dizer que “99% das roupas que usamos é fruto de trabalho escravo”, afirmou, já que a indústria têxtil tem base numa cadeia produtiva que terceiriza, quarteiriza e precariza.

Não há como resgatar e romper o círculo das oficinas de costura, segundo a procuradora, pois o dono da oficina não tem dinheiro para pagar indenização, sendo também ele um trabalhador. É, portanto, necessário que se responsabilize toda a cadeia, que começa com as grandes empresas. Lembrando casos de ameaça a agentes do Ministério do Trabalho e a procuradores do Ministério Público do Trabalho, Alline Oishi afirmou que são necessárias políticas públicas que deem respaldo ao combate ao trabalho análogo à escravidão.

Roque Renato Patussi, do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (Cami) tratou do trabalho de prevenção da escravidão moderna e o pós-resgate de trabalhadores, destacando que as mulheres imigrantes são as mais atingidas e vítimas do trabalho escravo. Essas mulheres são em maioria bolivianas, mas também vêm do Peru, do Paraguai, da Venezuela e do Haiti, informou.

A chancela feita pelo governo federal da terceirização, após o golpe de 2016, está na raiz do trabalho escravo, disse Roque Renato, que propôs a legislação obrigue as empresas da cadeia têxtil a informar quem lhes fornece mão de obra e que oficinas compõem a sua produção.

Paulo Fiorilo falou da necessidade de construir, com a participação da sociedade civil, um mapa que aponte os possíveis locais onde ocorra o trabalho escravo em São Paulo. E, ainda, colocou a Frente Parlamentar de Combate ao Trabalho Análogo à Escravidão, em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado Eduardo Suplicy, que também participou da audiência, à disposição para a constituição, com a prefeitura de São Paulo, o Ministério Público e o CNDH, de grupo de trabalho para discutir o enfrentamento ao trabalho escravo, em especial a situação encontrada na capital na produção têxtil.

Participaram também da audiência Sérgio Aochi, representando o Ministério do Trabalho e Emprego, e os cônsules da Bolívia e da Venezuela.

Fotos: Alesp

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