PROJETO DE DORIA QUE OUTORGA TÍTULO DE DOMÍNIO TRAZ ARMADILHAS PARA ASSENTADOS
PROJETO DE DORIA QUE OUTORGA TÍTULO DE DOMÍNIO TRAZ ARMADILHAS PARA ASSENTADOS

A deputada Marcia Lia participou de encontro promovido pela Associação de Funcionários da Fundação Itesp (AFITESP), nesta quarta-feira, 18/8, para discutir possíveis desdobramentos do PL 410/2021 para as famílias assentadas no Estado de São Paulo. O projeto de autoria do governador João Doria, que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo em regime de urgência, tem como objetivo outorgar título de domínio e transferir a propriedade resolúvel de lotes às famílias beneficiárias dos planos públicos de valorização e aproveitamento dos recursos fundiários no Estado de São Paulo.

Marcia Lia disse que o projeto de lei tem muitas coisas escondidas. O grande objetivo é a reconcentração das terras públicas e sua disponibilização para o mercado e para o agronegócio. Na verdade, por trás da outorga do título de domínio para os assentados existe um grande interesse político do governador de vender uma imagem de bonzinho, quando na verdade sabemos que as pessoas não vão conseguir pagar por essas terras, que acabarão nas mãos de grandes empresários do agronegócio.

A deputada não acredita que o projeto seja retirado, mas sim que um trabalho intenso de pressão política deve ser feito para aprovar emendas que introduzam condicionantes para assegurar que os assentamentos continuem a existir e que as terras não sejam capturadas pelo agronegócio. “Defendemos que as terras da reforma agrária continuem a ser destinadas a produção de alimentos”, afirmou.

A engenheira agrônoma, advogada e assessora técnica do Senado Tânia Andrade, que foi também a primeira diretora executiva da Fundação ITESP (1996-2002), esmiuçou as graves fragilidades do projeto e os riscos que ele impõe aos assentados. Segundo ela, o projeto ostenta uma má redação e sustenta-se em gritantes inconstitucionalidades.

Tania afirma que o artigo 187 da Constituição Estadual prevê somente a concessão real de uso de terras públicas, sem fazer qualquer menção à outorga de título de domínio. Ela acrescenta ainda que o projeto refere-se à transferência da propriedade resolúvel, ou seja aquela que pode ser tomada de volta, caso os assentados não cumpram as condicionantes para a obtenção do título.

Entre as condições impostas para os assentados está o pagamento de 10% do valor da terra nua. Tania considera esse valor absurdo. “Valor de terra de quando, cara pálida? Os assentados vão pagar o preço de uma terra que eles próprios valorizaram? E pior, em que condições de pagamento? Os juros e encargos serão estabelecidos por decreto do governador. Ou seja, a Alesp está assinando um cheque em branco para que o governador possa decidir sobre a vida e a morte do assentado”

Kelli Mafort, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), também apontou inconstitucionalidades no projeto. “Estamos diante de uma situação em que a titulação de domínio está sendo imposta em substituição à concessão do direito real de uso. A maior segurança jurídica dos assentados é que o assentamento continue existindo. Nenhum assentamento existe sem uma organização coletiva. O que é conquista coletiva não pode ser individualizada ou privatizada.

Os assentamentos são resultados de muita luta e podem estar indo água abaixo com o processo de privatização da reforma agrária. “Daqui a poucos anos, haverá reconcentração da terra, pois não há qualquer garantia de que essas terras não se converterão em latifúndio. E a reconcentração da terra comprometerá a produção de alimentos”, diz Kelli.

A coordenadora do MST também comentou uma das justificativas do projeto: a regularização da sucessão hereditária. “Dizer que este PL dará segurança aos filhos dos assentados é mentira. A legislação já prevê plenos direitos para a sucessão hereditária. O projeto de Doria favorece os futuros compradores de lotes. A maior segurança dos jovens assentados é existir a comunidade.”

Outra preocupação de Kelli Mafort está relacionada à questão de gênero. Quais serão os impactos da titulação nas situações de separação familiar e de violência contra mulher. Quais são as possibilidades de a mulher permanecer no lote com seus filhos, quando o titular for o marido¿

“Doria consegue fazer um projeto pior do que o de Bolsonaro. Está vendendo um sonho para os assentados, mas o que oferece na realidade é dívida e insegurança. Precisamos estar muito atentos para não cair nessa armadilha. Eles estão usando o sonho dos assentados de ter o título da terra, mas esse sonho vem com muitas armadilhas.”

O promotor de Justiça Marcelo Goulart considera que a Iniciativa do governador bate de frente com tudo aquilo que o Estado avançou ao longo de anos no que diz respeito a assentamento de trabalhadores sem-terra. “Numa leitura apressada, pode parecer que o projeto é interessante. Fumaça do bom direito ao inverso. A aparência de bom direito é apenas uma cortina de fumaça a esconder intenções não muito nobres e contrários aos interesses do processo democrático. Devemos, num primeiro momento, derrubar o regime de urgência e exigir um estudo aprofundado dos impactos da projeto sobre os direitos humanos.”

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