Por dentro da história dos cartões do governo Serra

20/02/2008 16:11:00

 

O CERCO AO GOVERNO LULA: O CAPÍTULO DOS CARTÕES CORPORATIVOS

 No final de janeiro, a oposição ao Governo Lula resolveu eleger a história dos cartões corporativos do governo federal como eixo de seu enfrentamento, uma vez que a falsa histeria do apagão energético e da febre amarela já não produziam mais efeitos.

Recolhendo informações disponíveis no próprio Portal da Transparência do Governo Federal, a oposição municiou os veículos de comunicação com curiosidades sobre o volume de gastos com cartões, o crescimento destes gastos nos últimos anos, os ministérios que mais gastaram, os ministros que possuíam cartões em seu próprio nome, os gastos mais “curiosos” de ministros e, finalmente, os gastos da Presidência da República, sobretudo com a segurança.

Os gastos pitorescos e eventuais abusos no uso com os cartões geraram as imagens e as pressões políticas sobre o governo Lula: free shops, tapioca, piscina, presentes finos e hotéis pautaram os noticiários, em detalhes de apuração.

Como não poderia deixar de ser, “o melhor da história” está nos detalhes e suas imagens. É isso que, normalmente, fica gravado na memória das pessoas.

Depois do impacto inicial dos gastos pitorescos com os cartões do governo federal, as matérias que tomaram conta dos noticiários migraram sorrateiramente para outros assuntos, com a finalidade de criar confusão.

Na verdade, o noticiário passou a destacar outras utilizações irregulares de recursos públicos no âmbito federal – como no caso do apartamento do Reitor da Universidade de Brasília – que nada tinha a ver com o uso de cartões, mas acabou se misturando propositalmente no noticiário nacional. Conforme não poderia deixar de ser, a imagem da lixeira que custou mais de R$ 1.000 foi mostrada exaustivamente.

Num terceiro momento, investigações do TCU sobre a possível existência de notas fiscais frias emitidas por empresas que forneceram serviços ao Governo Federal, pagos com cartões, passaram a dominar os noticiários.

Não é estranho que estes dois últimos assuntos tenham começado a substituir as histórias dos gastos pitorescos com cartões federais no exato momento em que a história dos cartões de compras dos governos tucanos em SP foi parcialmente revelada.

De qualquer modo, as imagens que ficaram embaralharam propositalmente a memória do público. Tapiocas, free shops, piscinas, lixeiras, hotéis, presentes e locação de carros, para o grande público, foram todos gastos irregulares com os cartões pelo Governo Federal.

DADOS E COMPARAÇÕES GERAIS SOBRE OS CARTÕES DE COMPRAS DOS GOVERNOS TUCANOS EM SP 

Na última semana de janeiro, através de pesquisas efetuadas no sistema de gerenciamento do orçamento paulista, a Liderança do PT na ALESP fez levantamento sobre os gastos com o “cartão de compras” no Estado de SP.

Os dados revelavam muitas curiosidades.Em primeiro lugar, ao contrário dos gastos federais, eles não estavam disponíveis para a população, sendo apenas obtidos por meio de um sistema com senhas nas lideranças dos partidos e na biblioteca da Assembléia.

Mais ainda, a pesquisa não era acessível às pessoas que não possuíssem treinamento específico.Em segundo lugar, a evolução dos gastos com os cartões no Estado de SP foi acentuada nos governos tucanos de Alckmin e Serra, durante o período de 2001 a 2007. Olhando os números, no ano de 2001, o Governo Estadual gastou cerca de R$ 5,4 milhões através dos cartões de compras, enquanto em 2007 as despesas através deste instrumento já haviam atingido os R$ 108 milhões.

Um aumento de 1.900%. Devemos destacar que o maior crescimento, de um ano para o outro, deu-se na Gestão Alckmin. Em 2002, ano da difusão do uso dos cartões no Estado, o gasto saltou de R$ 5,4 milhões para R$ 41,8 milhões.

Os argumentos eram que as despesas em regime de adiantamento estavam migrando da chamada conta “B” para o cartão. Sabe-se, no entanto, que continuam a existir despesas significativas no regime tradicional de adiantamento, sem que exista também transparência ou informações detalhadas sobre esta forma de gasto.

Em terceiro lugar, os gastos com o “cartão de compras” do Governo Serra foram maiores que os federais em termos absolutos: em São Paulo, eles foram de R$ 108,4 milhões em 2007, enquanto os gastos do Governo Federal foram de R$ 75,6 milhões no mesmo período.

Em quarto lugar, saques eram efetuados através dos cartões estaduais, assim como no governo federal, dificultando o rastreamento da despesa. Em 2007, foram R$ 48,3 milhões em saques na “boca do caixa”, cerca de 44,58% dos gastos totais com cartões.

Em quinto lugar, o sistema estadual possui inúmeros problemas e falta de informações, não havendo identificação do que foi comprado com cartão nas lojas e estabelecimentos comerciais, nem tampouco o CNPJ destes estabelecimentos utilizados.Finalmente, o número de cartões e servidores que utilizavam este instrumento era muito maior no Estado de SP do que em Brasília: em SP, havia 42.315 cartões, enquanto no Governo Federal eram 11.510 cartões. 

ROMPENDO A BLINDAGEM TUCANA 

Estes dados foram passados aos dois maiores jornais paulistas ainda na semana anterior ao Carnaval. Como não poderia deixar de ser, a matéria ficou na gaveta por vários dias.

Na manhã da quinta feira (7/2/2008), depois do Carnaval, o site do “Conversa Afiada” divulgou as tabelas e provocou os jornais paulistas, que já possuíam os dados, a publicarem a matéria.Imediatamente, na tarde da mesma quinta feira, o Jornal Folha de São Paulo enviou sua jornalista especial para apurar os dados que eles já possuíam.

Comprovando a veracidade das informações, o jornal foi consultar o “outro lado”, obtendo negações e respostas desencontradas. As primeiras respostas do Governo Serra negavam a existência de cartões no Estado.

Depois, afirmavam que eram utilizados apenas para compras específicas e miúdas. Mais tarde, que os saques eram apenas para vale transporte, diárias e combustíveis e, finalmente, que havia limites específicos para estes valores.

Uma a uma, estas afirmações foram sendo derrubadas pelos dados do próprio sistema, não havendo outra opção ao Jornal Folha de SP senão publicar o assunto como matéria principal da edição da Sexta Feira (08/02/2008).“SP gasta R$108 milhões com cartões: no governo paulista, saque em dinheiro atinge 44,6%”. “Prestação de contas de 42,3 mil funcionários não é aberta”.“Transparência com cartão é menor em SP que na União”.

Na sexta feira, pela manhã, quase todos os veículos de comunicação do país estavam na Assembléia Legislativa de SP, buscando maiores informações.A TV Globo pautou esta notícia, que foi apresentada em todos os seus telejornais da sexta feira.Imediatamente, iniciou-se uma operação de conserto na blindagem tucana. 

RESTABELECENDO A BLINDAGEM 

Apesar de noticiar a falta de transparência, as altas cifras movimentadas e a quantidade excessiva de cartões no Governo Estadual, significativamente maiores se comparadas ao Governo Federal, algumas outras falsas diferenças “a favor” do governo Serra já foram noticiadas pela Rede Globo na própria sexta feira.Buscando gerar um falso equilíbrio no assunto, as matérias na Rede Globo destacavam que os cartões estaduais eram “completamente” diferentes dos federais, “tucanando” os termos e as expressões no noticiário.

Já no telejornal, os cartões estaduais eram de débito, enquanto os federais eram de crédito. Mais ainda, os cartões estaduais eram “cartões de pagamento de despesas”, enquanto os federais eram “cartões corporativos”.

Cumpre destacar que o governo tucano mudou o nome em SP de “cartões de compras” para “cartões de pagamento de despesas” em 2002 (no Governo Alckmin), mas o sistema de gerenciamento das informações orçamentárias ainda manteve a denominação antiga, sendo assim conhecido dentro da administração estadual.

Ainda segundo a Rede Globo, os cartões não estavam nas mãos dos Secretários, mas sim de funcionários públicos de carreira, ao contrário do que ocorria no Governo Federal.

Finalmente, que cada cartão tinha uma finalidade específica, sendo vedado seu uso para outras despesas. Em Brasília podia-se gastar com qualquer coisa em qualquer lugar, sem limites.

Desta forma, o jornal apresentava três informações contra os cartões de Serra e três a favor, “equilibrando” o noticiário.

O que passou despercebido por muitos, mesmo os especialistas, foi que este assunto, na verdade, já começava a desequilibrar em favor dos tucanos. Enquanto em Brasília qualquer gasto pitoresco com cartões era amplamente investigado e divulgado, em SP, qualquer resposta do governo Serra a respeito de gastos específicos e “suspeitos” com os cartões era amplamente aceita pela imprensa.Em relação ao Governo Lula, a imprensa contava as histórias e os detalhes dos gastos com cartões.

Em São Paulo, pouquíssimas imagens e quase nenhuma história, principalmente em seus detalhes.Quanto aos saques com cartão, em Brasília, eles eram abusivos.

Em SP, os saques, segundo os tucanos, seriam apenas para vale transporte, diárias e combustíveis. Revelados diversos valores elevados neste tipo de operação, os tucanos apressaram-se em dizer que, parte dos saques, na verdade, seriam pagamentos ou transferências eletrônicas.

Diante da revelação de que existiam saques para diversos itens, tais como materiais de construção, locação de veículos, operações policiais e outros, o Governo Serra resolveu tomar alguma providência.A edição do Jornal Nacional da TV Globo de segunda feira (11/2/2008) “encerrou” o assunto, dando total espaço para uma declaração recheada de ironias do Governador Serra, que anunciou que estaria suspendendo a possibilidade de saques no cartão de compras e publicando os dados no site do governo estadual.

Os dados foram realmente publicados, mas de maneira mais incompleta ainda do que no sistema de gerenciamento do orçamento estadual.Algum estrago, sem dúvida, já havia sido produzido, mas a capacidade de interferência na grande imprensa por parte do Governador Serra revelou-se, mais uma vez, impressionante. 

LEIA NO ANEXO ABAIXO O RESTANTE DO TEXTO

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