Privatização de rodovias fez Dersa acumular prejuízos

15/08/2011 14:37:00

Pedágios

 

A Dersa acumula hoje um prejuízo de R$ 8,32
bilhões. O rombo teve início após a privatização das rodovias paulistas. Auditoria
realizada esse ano coloca em dúvida a capacidade de continuidade operacional da
empresa. Por esse motivo, o deputado do PT Luiz Claudio Marcolino vair
questionar representantes da Dersa sobre sua saúde financeira.

 

Leia na íntegra reportagem publicada pela
revista Carta Capital

 

As privatizações das rodovias paulistas
iniciadas no fim dos anos 1990 prometeram o céu: pistas melhores e menos gastos
públicos. As estradas são realmente boas. Quanto à redução das despesas do
governo… Basta ver a situação da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A), que
operou as rodovias por 40 anos e hoje está em situação calamitosa. Em 2010, a
empresa de economia mista vinculada à Secretaria Estadual de Logística e
Transportes, apurou um prejuízo de 583 milhões de reais. Com esse resultado, o
rombo acumulado pela companhia desde a sua fundação ultrapassou a marca dos
8,32 bilhões de reais. No fim do ano passado, se a empresa tivesse de fechar as
portas, o seu patrimônio não seria suficiente para quitar os débitos. Faltariam
967,2 milhões de reais para honrar todos os compromissos.

O cenário é ruim, mas, de acordo com uma auditoria
da KPMG, poderia ser melhor caso o governo do estado tivesse quitado as
indenizações que deve à empresa pelas rodovias que entregou à iniciativa
privada com o Programa Estadual de Desestatização. A dívida soma 2,5 bilhões de
reais. Esse valor, por sinal, seria bem maior hoje se a companhia não tivesse
abdicado de cobrar juros e correção monetária sobre o débito. O prejuízo da
Dersa em 2010, por exemplo, seria 40% menor, uma diferença de ao menos 240
milhões de reais, segundo os cálculos da KPMG.

Em 2009, a empresa perdeu a operação das últimas
três estradas que controlava, encerrando uma história de 40 anos

como concessionária de rodovias. A Eco-pistas
pagou 595 milhões de reais e prometeu investir outros 828 milhões para
explorar, por 30 anos, o corredor Ayrton Senna/Carvalho Pinto. Já a rodovia D.
Pedro I foi outorgada à concessionária Rota das Bandeiras por 1,39 bilhão de
reais, mais investimentos de 2,1 bilhões até 2039. Como a Dersa poderia
explorar esses corredores por mais 13 anos, ficou acertado que a empresa
receberia 1,58 bilhão de reais a título de indenização no primeiro caso e 935
milhões no outro. A Dersa não sabe estimar quanto deixa de arrecadar em
pedágios atualmente pela privatização dessas estradas. No último ano em que as
operou por 12 meses completos, faturou 281 milhões.

O que chama mais a atenção no relatório da KPMG,
datado de 29 de março, é a constatação de que “a continuidade das
operações da companhia depende do aporte de recursos financeiros do governo do
estado de São Paulo, seu principal acionista, e do recebimento das indenizações
citadas anteriormente”. Além disso, o texto assinado pelo auditor Wagner
Petelin levanta “dúvida significativa quanto à capacidade de continuidade
operacional” da empresa. É por essa razão que o deputado Luiz Claudio
Marcolino (PT), da Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa de São
Paulo, pretende incluir questionamentos sobre a saúde financeira da Dersa
durante uma audiência a ser realizada no parlamento paulista. A oposição espera
convocar o presidente da empresa, Laurence Casagrande Lourenço, para esclarecer
o excesso de aditivos em obras da Dersa. “Os empreendimentos costumam
terminar com um preço bem superior ao do contrato original e causa
estranhamento saber que, apesar de estar à frente das maiores obras viárias do
estado, a Dersa tenha acumulado prejuízos tão elevados.”

De acordo com Márcio Cammarosano, professor de
Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), os administradores da Dersa podem exigir o pagamento das indenizações
devidas pelo governo paulista, mesmo sendo o estado o seu principal acionista.
“Trata-se de uma empresa de economia mista, que também deve satisfações
aos seus sócios privados. Se a Dersa tinha direito a explorar essas rodovias
por mais tempo e foi impedida, deve ser ressarcida, porque isso pode afetar a
economia interna da empresa”, avalia. É pouco provável, no entanto, que os
sócios privados da companhia venham requerer alguma coisa. Eles detêm apenas
0,000001% das ações da Dersa. O restante pertence à Fazenda paulista.
“Normalmente, numa situação como essa, a administração da empresa entra em
acordo com o estado, o principal acionista.”

Por meio de nota, a Dersa diz ter solicitado ao
Estado “autorização para converter em capital social a parcela do passivo
não circulante, registrada como `adiantamento parafuturo aumento de capitar. Em
outras palavras, o governo pode autorizar o aporte de 3,4 bilhões de reais para
tapar o buraco contábil da empresa. “Tão logo sejamos autorizados pelo
nosso acionista, faremos a atualização contábil e passaremos a uma situação de
patrimônio líquido positivo”.

Esse investimento, contudo, não diz respeito ao
pagamento das indenizações devidas à Dersa pela privatização das rodovias, um
débito que deve ser quitado pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER). A
nota afirma ainda que a Dersa está negociando com o DER, mas informa que a
empresa também possui dívidas com o órgão estadual, sem, no entanto,
especificar esses valores. “Ao final das tratativas teremos um encontro de
contas, com resultado positivo em favor da Dersa, e um plano de quitação desse
débito”, completa o texto. Quanto à decisão de não cobrar juros e correção
monetária correspondente às indenizações, a companhia alega ter agido em
conformidade com o “princípio da prudência”, uma vez que “não
existia naquele momento uma expectativa do correspondente ingresso financeiro
imediato”.

Atualmente, a Dersa sobrevive com a receita das
travessias de lanchas e ferry-boats que operam no litoral paulista e a
prestação de serviços técnicos no campo da infraestrutura de transportes e
logística, sobretudo no apoio a grandes projetos viários do governo. A empresa
garante não ser dependente do Tesouro paulista, “o que significa que os
aportes de capital do acionista são dirigidos somente a investimentos da
empresa”. Por essa razão, as contas da Dersa não são registradas no
Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo), mecanismo de
controle dos gastos públicos aberto aos parlamentares. No fim, a empresa virou
uma caixa-preta que não permite avaliar até que ponto as privatizações de
rodovias prejudicaram a Dersa e, a despeito do pagamento das concessões,
criaram, na prática, um rombo a ser coberto pelos cofres públicos.

 

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