Na rede estadual paulista, professor com mestrado recebe menos de R$ 9,00 por aula

29/10/2010 15:27:00

16 anos de abandono

 

Salários baixos e falta de projeto são as principais características da Educação Pública nos 16 anos de gestão do PSDB no Estado. O modelo baseado na meritocracia não melhorou os salários iniciais e ainda responsabilizou os professores pelo analfabetismo funcional e outros problemas do ensino. A trajetória do professor de Física, Tomé Sudário Gomes, ilustra o drama das escolas estaduais paulistas.

16 anos de abandono

Tomé e a escola pública paulista

Escrito por: Leonardo Severo (Portal CUT)

A escola pública paulista é um misto de “ver para crer” e de invulgar sacrifício, particularmente para os professores que vestem a camisa e buscam honrar o voto dado ao Magistério. Apesar dos pesares, de 16 anos de desgoverno tucano, dos salários irrisórios, dos bônus vexatórios, das condições insalubres, do fechamento de escolas, da falta de laboratórios, da superlotação das salas, da violência e insegurança, da ridícula infraestrutura, das bombas e do gás lacrimogêneo presenteados quando se reivindica, dos cassetetes e tudo o mais que a infinita criatividade do PSDB pode brindar quando o assunto é reprimir ou dar explicações sobre bolinhas de papel.

O protagonista da nossa história tem nome e sobrenome: Tomé Sudário Gomes Ferraz dos Santos. Formado em Física pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000; mestre em História da Ciência pela PUC-SP em 2007 e Especialização em Meio Ambiente pela UNIP em 2010; Comenda do Mérito Educacional Professor Paulo Freire, do Conselho Estadual de Educação de Pernambuco em 1999; Tomé espelha como ninguém o que pode vir a ser a escola pública e, infelizmente, o que ela efetivamente é – ou foi transformada – pelo neoliberalismo privatista e emburrecedor.

O que se segue é um relato, curto e imenso, de um grande professor:

“Na realidade, o ensino público paulista vem de mais de uma década de males crescentes: falta investimento em capacitação, na formação continuada, na infraestrutura básica, em laboratórios na área de Química, Física… Assim não dá para fazer experiências, não tem como ensinar e também não dá para aprender.

Vamos aos fatos: Em 2003, o Estado ofereceu duas mil vagas para professores na área de Física. Se inscreveram oito mil pessoas, 700 foram aprovadas e cerca de 500 tomamos posse. Ficaram então 1.500 vagas sem serem preenchidas. Em 2006, novamente foi feito concurso e estas mesmas vagas continuaram em aberto. Em 2009, foram cerca de 1.400 vagas oferecidas e só perto de 300 foram preenchidas.

O fato é que não existe atração. Os salários são aviltantes e no caso da minha disciplina, Física, faltam professores, as vagas precisam ser ocupadas por professores de Química, Biologia, Matemática, por engenheiros ou tecnólogos, porque ninguém mais quer se sacrificar tanto por nada. A decadência vem em cima da carga horária estafante. Vejamos o exemplo de quem leciona 40 horas semanais: ele tem que dar 33 horas em sala de aula, mais três de reunião pedagógica e apenas quatro livres. Obviamente não dá para corrigir nem preparar aulas em tão pouco tempo e todos levamos muito trabalho para fazer em casa, comprometendo os nossos finais de semana, o convívio com a família, o lazer.

Se levarmos em conta que 60% dos professores da rede pública estadual também lecionam na rede municipal ou particular, para ganhar um salário razoável, é preciso trabalhar de manhã, tarde e à noite. Com 73 aulas por semana, não tem quem tenha vida. Daí termos uma classe adoecida.

Também não temos tempo para os cursos de capacitação e reciclagem, pois quando são oferecidos, como você está em duas ou três redes, vai levar falta. Então tens de fazer uma opção entre se qualificar ou receber o salário. Nem eu como professor de Física posso estar em dois lugares ao mesmo tempo, não aprendi ainda o fenômeno da deslocação.

No meu caso, trabalho mensalmente 60 horas/aula para o Estado e recebo R$ 530,00. Isso porque tenho acrescido um qüinqüênio, que é de 5% sobre o salário, que soma entre R$ 25,00 a 30,00.

No ano passado, um aluno meu da rede pública estadual venceu a Olimpíada Brasileira de Física, foi medalhista de prata. Era o único proveniente de escola pública. Eu também recebi a medalha, sendo agraciado como todos os professores orientadores. Por conta própria, fomos em novembro até o Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos, a cerca de 250 quilômetros da capital, para receber a premiação. Consegui o carro emprestado, paguei pela gasolina e o pedágio. Do Estado, após muita mobilização, fui dispensado, não recebi falta e não tive descontado o dia. E assim terminou o meu reconhecimento. Ponto.

Neste ano, até o dia 25 de setembro, vinha orientando gratuitamente os estudantes da Escola Estadual Alexandre de Gusmão, no Ipiranga, que eram meus alunos e haviam passado da primeira para a segunda fase da Olimpíada. Voluntariamente, sem licença e sem vencimentos. Mas não poderia abandoná-los e fiquei com eles, de graça.

Estou com 52 anos, sinto que tenho mais experiência, mais tirocínio do que quem está chegando, mas o meu salário é de iniciante e não há perspectivas para o ensino público no estado mais rico do País, porque não há evolução nem de nível, nem de faixa.

Sem um Plano de Cargos, Carreira e Salários (PCSS), as pessoas acabam desestimuladas para ingressar na rede. É um crime. Contra quem educa e contra quem deveria aprender. É uma ação que mina o presente e compromete o futuro. É uma pena. Este é o meu testemunho.

De Tomé”.

 

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